Dois pontos.LeandroGCard escreveu:Falando como um engenheiro com prática na implantação de novas tecnologias nas mais diversas empresas, posso afirmar que a única forma de se absorver uma tecnologia e mantê-la atualizada é utilizando-a continuamente. Se o Brasil quiser ter o domínio do projeto e construção de submarinos, sejam eles convencionais ou nucleares, a única forma é estar sempre projetando e construindo os seus próprios sub's, sem descontinuidade. E o mesmo vale para os navios de superfície.
Infelizmente não vejo na MB nem no governo a consciência disseminada desta realidade (embora uma ou outra autoridade pareça às vezes percebê-la). Posso estar muito errado, mas não noto a preocupação em se manter as atividades de projeto e construção de forma contínua, o que se busca basicamente é obter um determinado número de meios de um ou outro tipo, e atingido este número o projeto e construção em si não são mais considerados. Nos bons tempos os números desejados são maiores, nas crises eles são reduzidos, e os tipos e características variam de acordo com o que se observa na evolução no resto do mundo, mas é só isso. É um raciocínio típico de países periféricos, que nunca consideraram o domínio da tecnologia em si como uma vantagem estratégica.
O que acontece é que desenvolver (ou adquirir) de forma completa uma determinada capacidade em engenharia e depois mantê-la atualizada tem sempre um custo, e se este custo não for contemplado no planejamento de longo prazo seja do país, das forças militares ou mesmo de uma empresa ele acabará sendo alocado na rubrica de "despesas", e estas devem sempre ser diminuídas ao mínimo ou se possível eliminadas. Então, se os planos não contemplarem antes de mais nada a obtenção e o uso continuado da capacidade de projetar e construir alguma coisa (qualquer que seja esta coisa), a longo prazo esta capacidade, mesmo se um dia adquirida, será perdida novamente.
É meio complicado explicar isso em um simples post, daria para escrever um livro a respeito. Mas resumindo ao caso em questão da MB, sempre que ela deslancha um programa de construção de plataformas fica muito clara a preocupação em obter certo número de unidades, e não a de construir continuamente novas unidades de novos modelos. E depois de adquirido o número desejado podem se passar décadas antes que se fale em um novo projeto, então não há capacitação tecnológica que resista. Foi assim com as 6 Niterói, com as Inhaúma (que nos planos iniciais seriam 16 do mesmo projeto!), com as novas fragatas (pelo que sei a foi dito aqui no DB a marinha queria adquirir 6, e só irá comprar menos por falta de $$$). Mesmo o primeiro programa dos sub's, que já previa a construção contínua por mais de duas décadas, fixou as séries inicialmente em 4 barcos de cada, antes mesmo de saber se o projeto de cada classe seria ou não bem sucedido. Agora se fala novamente em construir 4 novos convencionais com o projeto francês. E em seguida os SNB, ainda com projeto francês. Quando então e com que recursos os engenheiros e técnicos irão começar a desenvolver os projetos nacionais? E se não irão, porque fazer tanta questão em absorver a tecnologia afinal? Para fazer as reformas de meia vida e estender o uso das plataformas ao máximo, limitando novamente as possibilidades de desenvolvimentos novos?
Enquanto os programas forem pensados desta forma, adquirir qualquer know-how na construção de plataformas só irá aumentar o custo por unidade, e eu pessoalmente duvido que o dinheiro economizado com a construção local, seja em materiais ou em mão de obra, compense a diferença.
Caso o Brasil tivesse uma postura como a dos países mais desenvolvidos o raciocínio seria diferente. O que se faria seria definir a frota que se deseja obter e manter (12, 16, 20, 30 plataformas de vários tipos), e o tempo que cada plataforma deverá operar, para que sempre estejam sendo lançadas novas unidades e os projetos sejam aperfeiçoados continuamente. É o que fazem o Japão, a Inglaterra, a França, a Alemanha e mesmo países menores como a Holanda e a Noruega. É por isso que muitas vezes estes países colocam navios ainda muito bons à venda, ao invés de modernizá-los e continuar com seu uso. É assim que eles abrem espaço para as novas construções, e os engenheiros e técnicos nunca param. No caso do Japão, que não pode exportar material militar, os barcos são aposentados às vezes ainda no auge da forma. A única exceção a este modelo são os EUA, que ainda insistem na produção de enormes séries de navios de um mesmo projeto (o que aliás foi uma política muito bem sucedida durante a II Guerra, mas era uma outra realidade). Isso ainda funcionou durante a guerra fria, quando eles mantinham uma marinha super-dimensionada, mas ao que parece o resultado agora é que a indústria naval militar americana dá a nítida impressão de estar em crise, com os últimos projetos sendo muito questionados quanto a sua eficiência e/ou qualidade. Mundo afora ainda se copiam muito os navios das últimas classes bem sucedidas, mas os novos projetos de navios de guerra americanos estão com dificuldades tanto de concepção quanto de construção.
É claro que após o fim da guerra fria os planos foram reduzidos e houve grande diminuição das esquadras, por isso alguns países parecem ter perdido a capacidade que tinham de desenvolver sozinhos suas próprias plataformas (Itália?), e outros se lançaram em uma grande corrida para exportar seus navios e sub's, de forma a manter a engenharia e a construção ativas.
Já no Brasil a idéia é sempre extrair o máximo dos navios enquanto for possível, e hoje se imagina que cada nova unidade irá operar por no mínimo 30 ou 35 anos. Como o número total de unidades é pequeno (hoje são apenas 14 entre fragatas e corvetas classe Inhaúma/Barroso), sempre que se anunciam séries grandes significa que os intervalos entre as séries serão excessivos para manter a capacitação em projeto, e a tecnologia de construção ficará estagnada até que se decida construir um modelo novo, o que pode acontecer apenas décadas depois.
Já vi este filme 30 anos atrás, e parece que agora estão preparando um remake mais atualizado da mesma velha história.
Leandro G. Card
P.S.- Com relação ao uso de aço importado nos novos sub’s de projeto francês ainda que o Brasil tenha capacidade de produzir aços da mesma categoria, eu já havia cantado esta bola antes. Se o projeto especifica um determinado aço não se pode usar outro, mesmo que seja igualmente resistente ou até superior, a menos que se possua o domínio total da tecnologia, o que o Brasil não tem.
Submarinos:
A contrução de 4 submarinos tem relação direta com a contrução de um estaleiro nacional apto a produzir navios maiores e em maior quantidade que os atuais. Isto tem um benefício direto na industria naval brasileira, não só militar. Novas tecnologia serão implantadas e o dominio que até então faltava passará a ser coisa do passado. O projeto é muito mais amplo que simples 4 unidades, o objetivo é alem destas 4 unidades, iniciar na próxima década a substituição dos submarinos Tupi, por derivados nacionais dos meios adqueirdos hoje, além de iniciar a produção de Submarinos nucleares ( SNB ).
Fragatas:
Até então, tudo o que foi discutido aqui é mera especulação, a MB não divulga nada, nem a quantidade de unidades a serem contruidas, nem o armamento das unidades, nem quando e aonde elas serão contruidas.
O que temos certeza é que elas não serão simplesmente compradas e que tambem não será simplesmente um lote, como assim foi com as Niterói.
Adquerir unidade por unidade, produzir unidade por unidade até que se substitua todo o plantel atual é uma estratégia revolucionária e inteligentíssima, por isto a necessidade de aprofundar as opções e escolher a fragata ''modelo'' mais adequada. Afinal, a unidade escolhida tem de ser apta a receber nas proximas décadas atualizações em cima de atualizações, já que neste meio período, as fragatas serão contruidas com tecnologias e sistemas cada vez melhores. Tenho a certeza de que se o interesse da MB for realmente a padronização dos equipamentos, a primeira unidade produzida deverá ser modernizada mais de uma vez até que a ultima unidade seja batizada.