E agora, Chávez?
| 30.10.2008
Com a queda dos preços do petróleo em razão da crise global, a economia venezuelana corre o risco de entrar em colapso, arrastando consigo o projeto do poder de seu presidente
Por Tatiana Gianini
REVISTA EXAME Renda do petróleo utilizada no financiamento de programas populistas, reformas que aumentaram a participação do Estado na economia, nacionalização de empresas estrangeiras, apoio a grupos terroristas e manobras forçadas para perpetuar o governante no poder. Não era preciso ser um grande especialista em política internacional para suspeitar de que, cedo ou tarde, essa história não teria um final feliz. Atualmente, um conjunto de indicadores mostra que a conta política, social e econômica da vastíssima relação de barbaridades cometidas por Hugo Chávez na Venezuela começou a ser cobrada. O país convive atualmente com problemas como uma das maiores taxas de inflação da América do Sul, seguidos apagões provocados por uma crise energética e uma fuga em massa dos investimentos estrangeiros (veja quadro). Para uma nação que vinha crescendo a taxas de quase dois dígitos no vácuo da alta de preços do petróleo, o cenário futuro é hoje cercado de pessimismo. Em 2008, segundo o Fundo Monetário Internacional, o PIB venezuelano deve crescer 6%, número nada desprezível nos tempos atuais. Mas, em 2009, a previsão é que a expansão da economia não ultrapasse 2%. Chávez ganhou as massas em tempos de bonança para a Venezuela. A queda no crescimento e na renda da população mais pobre aparece hoje como seu principal inimigo político.
Alguns dos problemas atuais já vinham se acumulando nos últimos anos no país e, com a chegada da crise global, a situação se agravou. Devido ao medo da recessão mundial, a cotação do barril do petróleo caiu pela metade nos últimos meses (no final de outubro, o barril custava 70 dólares). Os reflexos foram imediatos para a Venezuela, onde o petróleo é o principal produto de exportação, responsável por 30% do PIB. É impossível prever o preço do barril daqui para a frente - todos os que tentaram fazer isso se deram mal. Mas não é impossível que os preços caiam ainda mais ao longo do próximo ano, levando consigo boa parte da economia venezuelana. Um estudo feito por economistas do Deutsche Bank, da Alemanha, estimou que as contas do país só se equilibram hoje com uma cotação de, no mínimo, 95 dólares por barril.
Essa situação delicada é fruto da gastança promovida por Chávez com o objetivo de promover sua "revolução bolivariana". Desde que ele assumiu o poder, em fevereiro de 1999, a dívida pública dobrou, chegando hoje perto do patamar de 75 bilhões de dólares. Ou seja, mesmo numa fase em que ocorreu a maior enxurrada de petrodólares da história do país, as contas do governo só se deterioraram. A relação de desperdícios com políticas de eficácia duvidosa ou delírios ideológicos é enorme. Vai desde os gastos com as chamadas "misiones", como foram batizados os programas sociais de Chávez que incluem subsídios a alimentos e remédios, até uma série de ações para ajudar aliados políticos. Nesse campo, o presidente foi especialmente pródigo, promovendo, à custa dos venezuelanos, a compra de títulos da dívida pública argentina, a ajuda aos vizinhos Cuba e Bolívia e o apoio financeiro a grupos insurgentes, como as Farc colombianas, entre outras coisas. Estima-se que, no total, Chávez tenha destinado, nos últimos anos, mais de 30 bilhões de dólares a esse tipo de política. A conta é do Instituto para o Crescimento Econômico Global, centro de estudos internacionais sediado em Washington, nos Estados Unidos. "A Venezuela estaria em melhor situação se a renda obtida de suas riquezas naturais tivesse sido investida em benefício do país", afirma Norman Bailey, presidente do instituto.
Nos anos de Chávez, setores como o de infra-estrutura ficaram praticamente abandonados. Uma das principais conseqüências desse descaso é a atual crise energética que atinge o país. Nos últimos meses, três grandes apagões ocorreram na Venezuela. O mais recente deles, em setembro, deixou a capital Caracas às escuras por quase 2 horas. Nos últimos anos, o crescimento na demanda energética do país tem sido de 5% a 7% por ano. Os investimentos do governo não acompanharam essa evolução. A maior parte das usinas que geram energia com o gás natural, por exemplo, está obsoleta, com média de mais de 25 anos de operação. Em maio, Chávez disse que seu governo investiria 10,3 bilhões de dólares em 42 projetos para aumentar em mais de 30% a capacidade de geração de energia até 2013. Até agora, porém, quase nenhuma dessas obras saiu do papel.
A situação do parque industrial do país é outro retrato da decadência venezuelana. A PDVSA, estatal responsável pela exploração e produção de petróleo e gás no país, sofre com a escassez de investimentos e a falta de técnicos especializados desde 2003, quando metade de seus funcionários foi demitida por participar de uma greve. O resultado é o declínio da produção de petróleo. Entre as empresas privadas, a crise é igualmente profunda. Segundo um estudo da Confederação Venezuelana de Industriais, a versão caribenha da Fiesp, o número de companhias filiadas à entidade caiu pela metade na última década. Dos 12 771 estabelecimentos registrados na instituição em 1996, restavam apenas 6 756 em 2005, ano em que o trabalho foi divulgado. A maioria das perdas se deu nos mercados das pequenas e médias empresas. "A situação tornou o país muito dependente das importações", afirma Luisa Palacios, analista de América Latina da consultoria Medley Global Advisors, de Nova York. Hoje, na Venezuela, cerca de 70% dos artigos de alimentação vêm do exterior. Nas prateleiras dos supermercados populares subsidiados pelo governo Chávez, o frango é brasileiro, a carne argentina e os ovos colombianos. Enquanto as empresas nacionais passavam por um processo de sucateamento, várias multinacionais eram expulsas do país pelo governo Chávez.
As constantes decisões polêmicas, como a estatização de empresas privadas, em um clima de instabilidade política constante, foram afastando os investimentos estrangeiros e minaram os incentivos para produzir qualquer outra coisa que não seja petróleo. Em abril, em meio a disputas sobre o preço do cimento, tabelado pelo governo, Chávez nacionalizou as cimenteiras Cemex, do México, Lafarge, da França, e a suíça Holcim. No mês seguinte, foi a vez da Sidor, principal siderúrgica do país, controlada pelo grupo ítalo-argentino Techint, ser estatizada. Em agosto, a Venezuela anunciou a compra da unidade local do espanhol Santander - o Banco de Venezuela -, um dos maiores do país, concretizando suas promessas de aumentar a presença do Estado na economia, particularmente em setores "estratégicos". Vale lembrar que nacionalizar, no governo chavista, significa na prática a quase obrigatoriedade de venda para o Estado, em seus termos, sob a ameaça de expropriação ou disputa judicial em caso de desacordo. "Ninguém hoje investe na Venezuela, a não ser por razões políticas", afirma Bailey, do Instituto para o Crescimento Econômico Global.
Fim de festa
Em razão de tantos problemas, o cacife político de Chávez já não é mais o mesmo. Ele continua poderoso no país, mas vem colecionando sucessivas derrotas. No ano passado, perdeu o referendo em que pretendia mudar a Constituição para estender indefinidamente seu mandato presidencial. Agora, no final de novembro, Chávez corre o risco de sofrer um novo revés nas eleições para governadores e prefeitos. Apesar dos esforços do presidente para vitaminar as candidaturas de situação, que incluem a aparição de Chávez na maior parte dos palanques e a ameaça de não repassar verbas federais aos adversários vitoriosos, os analistas políticos prevêem que os partidos de oposição devem emplacar vários cargos importantes, saindo fortalecidos do pleito e em condições de lançar figuras capazes de vencer as eleições presidenciais previstas para 2012, quando termina o mandato de Chávez. Em terrenos pantanosos, como o da política latino-americana, muita coisa pode acontecer até lá, e não é bom duvidar da capacidade de Chávez de mudar as regras do jogo quando a situação lhe convém. Mas, para quem sonhou com uma revolução bolivariana varrendo o capitalismo do planeta, a situação atual está longe de ser das mais confortáveis. Chávez está vendo que, quando o capitalismo mundial vai mal, a Venezuela e ele próprio sofrem as conseqüências.