Modelo de pré-sal terá debate amplo, diz Lula
21/08/2008 - 10h29
BRASÍLIA - O governo ainda não bateu o martelo sobre a criação de uma nova estatal para administrar as reservas de petróleo da camada pré-sal. Ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que a comissão interministerial criada para tratar do assunto ainda está discutindo o tema e que as propostas chegarão às suas mãos no dia 19 de setembro, quando se encerra o prazo de funcionamento da comissão. " A partir daí, pretendemos fazer um debate com a Petrobras, com os trabalhadores, com o Congresso Nacional, com os empresários, para saber que destino a gente vai dar a essa extraordinária performance do petróleo no Brasil " , disse o presidente após a inauguração do terminal de regaseificação do Porto de Pecém, no Ceará.
Segundo Lula, é importante que a sociedade participe desse debate. " Afinal de contas, eu tenho dois anos e quatro meses de mandato e a Petrobras e o petróleo, se Deus quiser, terão muitos e muitos anos de existência " , disse ele. Lula reiterou que, enquanto o petróleo estiver embaixo da terra, ele é da União. Defendeu que " esse potencial extraordinário do petróleo " deve ser usado para resolver os problemas crônicos do país, como, citou ele, a pobreza e a " falta de investimentos em educação " .
Em conversas reservadas, o presidente diz que o país vive " um novo ciclo do ouro " , numa referência à proliferação das jazidas de extração na década de 80. Por isso, defende que as decisões sobre o assunto sejam tomadas com cautela. O teor do relatório da comissão interministerial deverá definir o ritmo de decisões do presidente. " Se a conclusão for concreta, as coisas ficam mais fáceis. Mas se ela tiver algumas ambigüidades, o presidente poderá demorar um pouco mais para se decidir " , disse ontem um assessor direto de Lula.
A tendência é que o prazo de funcionamento da comissão seja estendido e uma decisão só venha a ser tomada no fim do ano, depois das eleições municipais. Além da criação de uma estatal para cuidar do pré-sal, idéia que começou a tomar força nos últimos dias, o governo estuda, segundo esse assessor presidencial, aumentar sua participação na Petrobras, capitalizando a empresa e diminuindo a participação de sócios minoritários. Dessa maneira, a União reforçaria seu poder sobre a estatal.
O governo, segundo o assessor, teme o surgimento de disputas judiciais, pois alguns lotes da camada pré-sal já foram licitados pela Petrobras, em parceria com outras empresas, e isso poderia gerar dificuldades nos futuros leilões de áreas vizinhas - ainda há dúvidas se a camada pré-sal descoberta é um campo único de petróleo ou se são vários poços dispersos. No primeiro caso, as autoridades terão de estabelecer acordos de " unitização " para evitar que uma empresa explore petróleo da área vizinha.
" Nada disso está claro na cabeça do presidente " , assegurou um aliado governista. Como também não há certezas sobre a criação de um Fundo Soberano para aplicar os recursos obtidos pela extração do petróleo do pré-sal.
Na terça-feira, o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, cogitou a possibilidade de criação de dois fundos - um no exterior e outro para investir em educação e saúde. " É mais uma criatividade do Lobão " , brincou um assessor do governo. A proposta de fundo soberano que tramita no Congresso, lembrou um governista, se diferencia de outros modelos estrangeiros por funcionar como um mecanismo anticíclico. " Foi pensado dessa maneira justamente para não nos tornarmos escravos do petróleo " , completou um petista.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, revelou ontem que, por determinação do presidente Lula, o que for arrecadado com as exportações de petróleo da camada pré-sal será investido em benefício de toda a população brasileira, principalmente nos objetivos de desenvolvimento de longo prazo.
" Uma coisa é certa: essa riqueza do pré-sal não será utilizada em benefício de empresa A, B ou C, mesmo que seja estatal. Será em benefício da população brasileira e isso o presidente Lula garante. De toda essa riqueza imensa, centenas de bilhões de dólares, parte será destinada para a educação, saúde, diminuição da dívida, aumento das reservas, tudo em prol do desenvolvimento do país no longo prazo " , comentou Mantega, depois de reunir-se com o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP).
Na avaliação de Mantega, o Brasil vai aproveitar experiências de outros países exportadores de petróleo e evitar o que se chama de " doença holandesa " . Isso ocorre quando um país é grande produtor e exportador de uma commodity, como o petróleo, e por causa disso atrai fluxos de capitais que acabam valorizando a moeda local e tirando a competitividade das outras indústrias. Com o tempo, esses países deixam de ter indústria e se tornam inteiramente dependentes das receitas daquela commodity.
Se o Brasil tiver acesso a toda essa riqueza, o ministro afirmou que deixará de ser auto-suficiente para ser grande produtor mundial de petróleo, aumentando suas exportações. " Não vamos trazer todos os dólares que obteremos com esse petróleo para não criar uma inflação muito forte ou uma valorização excessiva da moeda brasileira, o que não é desejável. A doença holandesa ocorre quando um país vive só de petróleo e esses recursos desestimulam outras atividades. Não permitiremos isso " , disse.
Mantega pediu ontem a Chinaglia empenho nas votações da proposta de criação do fundo soberano, que, na prática, aumenta o superávit primário de 3,8% para 4,3% do PIB. Se o projeto de lei, com pedido de urgência urgentíssima, não for apreciado pelos deputados até 2 de setembro, trancará a pauta. O ministro da Fazenda ressaltou que, sem a aprovação, os recursos economizados terão de ser usados para o pagamento de juros da dívida pública.
(Paulo de Tarso Lyra e Arnaldo Galvão | Valor Econômico)
http://economia.uol.com.br/ultnot/valor ... 94173.jhtm