Dívida de Itaipu não é do Brasil nem do Paraguai, diz embaixador
Ana Luiza Zenker
Repórter da Agência Brasil
Brasília - A pouco menos de 15 dias para as eleições gerais no Paraguai, em que será escolhido o novo presidente do país, além de governadores e parlamentares, o embaixador do Paraguai no Brasil, Luis González Arias, conversou com exclusividade com a Agência Brasil.
Entre os temas discutidos, a relação com o Brasil, a geração de energia para o Paraguai na usina hidroelétrica binacional de Itaipu e a situação dos colonos brasileiros que vivem na faixa de fronteira em território paraguaio, os chamados “brasiguaios”.
Nesta primeira parte da entrevista, González Arias trata de Itaipu. Um dos assuntos mais levantados durante a campanha defendido pelos principais candidatos é a renegociação do Tratado de Itaipu no que diz respeito aos valores pagos pelo Brasil ao Paraguai pelo excedente da metade da energia produzida na usina que caberia ao país.
Sobre a dívida da construção da usina, o embaixador diz que não é nem do Brasil nem do Paraguai, mas da própria binacional. “A dívida é de Itaipu, que tem que produzir eletricidade e pagar a sua dívida”.
Agência Brasil: Como está a relação bilateral entre Brasil e Paraguai, tranqüila?
Luis González Arias: Acho que nesses últimos quatro anos, com o governo do presidente [Nicanor] Duarte, as relações estão muito fortalecidas, excelentes; a cooperação com o Brasil é muito maior, o comércio cresceu. Logicamente temos problemas normais da relação bilateral, mas estão todos resolvidos. Temos uma comissão bilateral de monitoramento do comércio que trabalha muito bem. Começou em 2005 e desde então já tivemos 12 reuniões, nas quais resolvemos todos os problemas comerciais, alfandegários, os problemas normais da fronteira, do transporte, situações que emergem com a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], com o Ministério da Agricultura do Brasil. De uma lista aproximada de 30 situações com problemas, não fica praticamente nada. Daí surgiu a idéia de aprovar no Brasil o Regime Tributário Unificado (RTU), que foi aprovado pelos deputados, agora passou aos senadores. Daí surgiu a reforma da lei brasileira para equiparar os transportadores paraguaios aos transportadores brasileiros, para transporte internacional de carga, e a segunda ponte está aprovada nas comissões da Câmara, para passar ao Plenário, aqui no Brasil.
ABr: A segunda ponte, próxima à Ponte Internacional da Amizade?
González Arias: A segunda ponte internacional. Tem o financiamento para os estudos, que já estão sendo feitos, a comissão bilateral está trabalhando normalmente. Acho que as relações são excelentes. Com respeito a Itaipu, o governo do presidente Lula e o Congresso aprovaram a lei pela qual tiramos da dívida de Itaipu o fator de ajuste, a dupla indexação da dívida, isso foi retirado no ano de 2007. Além disso, um acordo, antes, para melhorar a compensação pela energia que o Paraguai entrega ao Brasil de Itaipu.
ABr: Essa questão da energia tem sido um ponto bastante discutido na campanha eleitoral. O Brasil paga atualmente pela energia que o Paraguai não usa. São US$ 30 por megawatt, correto?
González Arias: Itaipu tem uma tarifa anual que é fixada sobre a dívida e os compromissos financeiros que tem a cada ano. Assim estabelece o tratado e o Anexo C, que é o anexo financeiro. Royalties, compensações, salários, manutenção e outros gastos de Itaipu Binacional. Então Itaipu produz 92 milhões de kilowatts/hora. Dividindo, a tarifa era de US$ 24,5. Agora tem um repasse do Brasil para converter do ciclo paraguaio para o ciclo brasileiro e a taxa de transporte. O Brasil está pagando em média US$ 30, US$ 39. O Paraguai paga a Itaipu pela energia que usa, 500 mil megawatts/hora mais ou menos, a mesma tarifa. Depois tem a energia compensada, que é o excedente. Então se você mistura esses dois, o preço para o Paraguai pela quantidade pequena que usa é mais barato, mas o preço para os dois países da energia contratada é o mesmo.
ABr: O Paraguai tem direito à metade da produção de Itaipu. a parte que não usa desse total , o país tem de vender ao Brasil, que paga US$ 30 por megawatt/hora. Desses, US$ 20 ficariam para compensação da dívida que Itaipu ainda tem a pagar.
González Arias: O sistema é muito simples. Você me deve dinheiro, eu sou Eletrobrás, e devo dinheiro à companhia paraguaia de eletricidade [Administração Nacional de Eletricidade, Ande]. Itaipu tem dívida com os dois, não com o país. Então, faz-se o orçamento com base no que tem que pagar, que estabelece qual é a tarifa de saída, a tarifa que sai de Itaipu. Esse é o preço que os países pagam. O resto que o Brasil paga de compensação ao Paraguai, US$ 2,27, é outro componente. É uma questão da Eletrobrás o transporte de energia e todas as demais taxas são um problema da Eletrobrás e da Ande, mas Itaipu recebe US$ 20, US$ 24, US$ 25, depende de cada ano, depende do orçamento da tarifa. Somam-se outras despesas e se tem o preço. Mas o Paraguai paga o mesmo preço que o Brasil por essa energia que contrata, não a que usa, porque sobre a produção existe o excedente, e esse Brasil e Paraguai usam a preço muito mais baixo. Na época em que o Brasil não tinha energia suficiente pela seca, ele utilizava muita energia excedente. Paraguai não tinha esse problema. Agora o Paraguai tem assegurada a energia excedente para completar 1,2 milhão de kilowatts que consome em média.
ABr: É essa linha de transmissão que tem sido discutida de Itaipu a Assunção?
González Arias: O problema do Paraguai é o seguinte: ele não tem neste momento uma linha de transmissão de maior potência para uma transferência segura. Então existem dois trabalhos neste momento. Tem que reforçar a atual linha de transporte de 220 megawatts e vai se fazer uma nova linha de 550 kilowatts. Essa linha vai ser financiada - até agora assinamos o acordo para o estudo - ou por Itaipu ou por Eletrobrás e vai ser repassada a conta depois ao Paraguai. Como o Paraguai vai pagar isso vai ser um acordo posterior. Por enquanto, há a possibilidade de que o Paraguai tenha uma nova linha de alta tensão, para usar mais energia de Itaipu, em geral para a indústria e para melhorar o sistema de transmissão do país, que tem falência neste momento porque as linhas estão saturadas. Não é uma discussão, é um acordo assinado pelo chanceler [brasileiro Celso] Amorim com o chanceler paraguaio [Rubén Ramírez], em um memorando de intenção.
ABr: Com essa saturação, chega a faltar energia por problemas técnicos?
González Arias: Não chega a faltar, mas às vezes há alguns cortes; nos dias muito quentes, quando o uso de energia é excessivo, temos uns problemas com as centrais de distribuição.
ABr: Chega a afetar Assunção?
González Arias: Às vezes afeta Assunção ou regiões. Há cortes em metade de Assunção. Mas até agora, sobre afetar a indústria, não sei qual é o impacto.
ABr: Então, melhorar essa linha e construir outra, além de possibilitar o fornecimento de mais energia vai evitar perdas do que sai de Itaipu e às vezes não chega porque está saturada?
González Arias: Exatamente. São duas linhas de 220 megawatts. Uma vai para Limpio e outra para Guarambaré, e dali é distribuída. Atualmente essas linhas estão saturadas porque há muitas outras linhas de saída, e essa linha de 220 megawatts está sendo melhorada. Mas isso está sendo pago pela Ande. A outra linha é para que o Paraguai possa comprometer mais compra, contratar mais uso de energia.
ABr: Sobre a dívida relativa a Itaipu, seria mesmo a maior parte da dívida externa do Paraguai?
González Arias: A dívida de Itaipu é de Itaipu, não é nem do Brasil nem do Paraguai. Itaipu é uma entidade binacional e tem independência dos países. Cada país tem a sua representação e a dívida é de Itaipu, que tem que produzir eletricidade e pagar a sua dívida. É meio a meio, teoricamente, mas a dívida é praticamente toda com a Eletrobrás. Temos ainda uma parcela de US$ 1,89 bilhão com bancos internacionais, mas essa é a última parte do pagamento. Por enquanto se pagou a dívida atrasada, de 1985 a 1996, US$ 4,196 bilhões. Isso foi pago de 1997 até 2001. De 2001 até 2023 está sendo paga a dívida de US$ 12,5 bilhões. De juros, [são] 7,5% agora. Antes eram 7,5% mais o fator de ajuste, que foi tirado. Para a última parte, são 4,5% [de jusros] e US$ 1,29 bilhão que começou a ser pago no final do ano passado. Este ano começa a pagar a cota e a dívida se divide até 2023.
ABr: E em 2023 zera a dívida?
González Arias: Tem que zerar, porque assim está estabelecido. Há uma cota a cada ano, varia um pouco, depende dos gastos. Então a dívida é de Itaipu com as empresas que deram dinheiro. A maior parte é o Tesouro brasileiro, porque a Eletrobrás repassou ao Tesouro brasileiro, que deu o dinheiro a ela na época dos governos militares para construir as hidroelétricas.
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