A IMPORTÂNCIA DO MAR E DAS ÁGUAS INTERIORES PARA A MARINHA DO BRASIL NO NOVO CONTEXTO MUNDIAL
por: Alexandre Tito dos Santos Xavier*
1 INTRODUÇÃO
Com o fim da Guerra Fria, que foi materializado pela dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1991, as ameaças à segurança e à paz internacionais ficaram difusas, pois naquela época elas eram bem definidas, o que facilitavam a preparação e o planejamento militar de então. Tal mudança na ordem mundial, aliada ao fenômeno da globalização, segundo alguns estudiosos geopolíticos, possibilitou uma alteração daquela ordem de bipolar para unipolar ou, de acordo com outros teóricos, que a mesma passou para multipolar, fazendo com que surgissem novas ameaças a estabilidade mundial, que podem ser elencadas como: terrorismo internacional, organizações criminosas, proliferação de armas de destruição em massa, dentre outras. Essa nova configuração, no entanto, não eliminou o risco de um possível conflito entre Estados. Após os episódios de 11 de setembro de 2001, o mundo ficou marcado pelas ações terroristas ocorridas nos Estados Unidos da América (EUA). Fato que priorizou na agenda mundial o interesse pela temática em questão.
Sendo assim, em face do novo cenário internacional que ora se apresenta, e como o Brasil é parte integrante do mesmo, faz-se mister analisar como as suas forças armadas devem se estruturar para serem empregadas nos dias de hoje. E dentro deste contexto, será escopo desse ensaio verificar, de forma sucinta, se a Marinha do Brasil (MB), no ambiente onde atua, vem se preparando, nesse século que se inicia, para se contrapor às novas ameaças que atualmente se apresentam. Para tal, será abordada a importância do mar e das águas interiores, no contexto supracitado, para o Brasil e a atual situação da MB.
2 A IMPORTÂNCIA DO MAR E DAS ÁGUAS INTERIORES NO NOVO CONTEXTO MUNDIAL
Atualmente, com a formação de blocos econômicos regionais (MERCOSUL, União Européia, NAFTA e outras), aliada à globalização, principalmente na área econômica, e com o desenvolvimento de novas tecnologias de produção, o comércio internacional tem sido incrementado. E neste cenário, o mar tem sido o principal meio para concretização desse intercâmbio, através do transporte marítimo. A automatização cada vez maior dos portos, a melhoria dos containeres, e a construção de navios com grande capacidade de transporte e de velocidade mais elevada, fizeram com que o comércio marítimo se tornasse muito mais dinâmico. Ademais, as riquezas que o mar possui, constituídas pelos produtos minerais e fósseis, bem como a vida marinha, fizeram com que os Estados pleiteassem aumentos em suas áreas marítimas de jurisdição nacional, materializadas pela Zona Econômica Exclusiva (ZEE) e pelos direitos de suas respectivas Plataformas Continentais. Neste sentido, pode-se observar que o mar tornou-se também importante para algumas dessas novas ameaças, pois possibilita a consecução de alguns de seus objetivos, como contrabando de armas para grupos terroristas e facções criminosas, entre outros. O Almirante Ruy (2006, p.34) demonstra isso claramente, quando assevera:
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) aumentou as áreas marítimas sob jurisdição nacional dos estados costeiros, com a criação da Zona Econômica Exclusiva (ZEE) e dos direitos sobre a Plataforma Continental. Da mesma forma, a globalização tem aumentado acentuadamente o fluxo do comércio mundial através dos mares, cuja segurança é fundamental para a economia mundial. Dados de 2003 mostram que 99,7% do comércio intercontinental é realizado pelo mar, utilizando mais de 46.000 navios que servem cerca de 4000 portos distribuídos pelas regiões do mundo. Estudos concluídos no final dos anos 90, conjuntamente entre a Guarda-Costeira e a Marinha norte-americana, concluíram que o comércio marítimo deve triplicar até 2020, com um crescimento vertiginoso no transporte de containeres. Em paralelo, espera-se um incremento na poluição marinha e no uso dos mares pelo crime organizado e por organizações terroristas.
O comércio marítimo é responsável, atualmente, por 95 % de todo comércio internacional do Brasil, e as grandes reservas de petróleo do país encontram-se em sua plenitude no mar. Isso faz com que o mar possua um valor inestimável para a estabilidade econômica do país. Da mesma maneira, as vias interiores têm grande importância, porque têm permitido, também, incrementar o comércio com os Estados vizinhos, além do grande valor estratégico das fronteiras, onde um adequado patrulhamento poderá evitar a instalação e utilização do território nacional por parte dessas ameaças. Na América do Sul há o risco das Forças Amadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) operarem próximas às nossas fronteiras. Ressalta-se, também, que existem focos de tensão entre alguns países do entorno estratégico do Brasil que poderão afetar a segurança nacional.
3 A SITUAÇÃO ATUAL DA MB
Até o final da Guerra Fria, a MB estava basicamente estruturada para atuar na guerra clássica 1. Com o fim da bipolarização, e o crescente destaque das novas ameaças na agenda mundial, a sua atenção e preocupação foram divididas, já que ainda existe o perigo de ocorrer um conflito interestatal, com a necessidade de uma maior atuação contra essas ameaças em coordenação com as diversas agências federais que tenham atribuições nessa área, visando incrementar a segurança das águas jurisdicionais brasileiras.
A situação atual de material da Marinha não está adequada para contrapor-se as ameaças tradicionais e as que ora se descortinam. Tal fato pode ser verificado, através da atual situação de aprestamento dos seus meios e da obsolescência dos mesmos.
A MB, apesar dos recursos escassos com que vem sendo aquinhoada, está tentando se adaptar a essa nova realidade. Apesar disso, desenvolve o programa de construção nacional de submarino nuclear, e possui em atividade um programa de reaparelhamento (Programa de Reaparelhamento da Marinha - PRM) dos meios navais, aeronavais e de fuzileiros navais, onde são contempladas a esquadra de combate (meios pertencentes ao Comando-em-Chefe-da Esquadra – através da modernização das Fragatas Classe Niterói, do NAe São Paulo e dos Submarinos Classe Tupi e Tikuna, aquisição de navios para operações anfíbias na Inglaterra, futuras aquisições de aeronaves de asa rotativa -, e ao Comando do Corpo de fuzileiros Navais – através de aquisição de material moderno) e a esquadra de controle (meios pertencentes aos Distritos Navais, onde se inserem os meios das Capitanias, Delegacias e Agências – através de construção de Navios-Patrulha e de aquisição de lanchas de inspeção variadas). Com isso, faz-se mister que o PRM continue sendo implementado, pois permitirá a MB adequar-se a esse novo cenário mundial.
4 CONCLUSÃO
Conforme o apresentado no decorrer deste ensaio, vimos que o fim da Guerra Fria alterou o cenário internacional, pois as ameaças que eram bem definidas, e com isso orientavam o preparo e a atuação da MB para a guerra clássica, passaram a ser difusas e denominadas como novas ameaças. E que algumas dessas novas ameaças poderão vir a fazer o uso do mar e das águas interiores sob a jurisdição do Brasil, que atualmente tiveram as suas importâncias aumentadas devido ao comércio, às riquezas lá existentes e as fronteiras, para alcançarem os seus objetivos, tornando-se assim em alvo de atenção e de preocupação para a MB no início do século XXI.
Conclui-se, assim, que a MB vislumbrando a grande importância do mar e de suas águas interiores nos dias atuais, vem se preparando adequadamente através do programa de reaparelhamento dos seus meios navais, aeronavais e de fuzileiros navais e do programa de construção do seu submarino nuclear, visando a fazer frente aos principais desafios para a MB no novo contexto mundial, que ora se apresentam: estar pronta para um eventual conflito interestatal, bem como estar apta a evitar que algumas das chamadas novas ameaças possam fazer o uso do mar e das águas interiores sob jurisdição brasileira.
REFERÊNCIAS
SILVA, Antonio Ruy de Almeida. As novas ameaças e a Marinha do Brasil. Revista da Escola de Guerra Naval. Rio de Janeiro, n.7, p. 32-42, jun. 2006. Disponível em: <
http://www.egn.mar.mil.br/revistaEgn/ju ... meacas.pdf>. Acesso em: 29 abr. 2008.
VIDIGAL, Armando Amorim Ferreira. A missão das Forças Armadas para o século XXI. Revista Marítima Brasileira. Rio de Janeiro, v. 124, n. 10/12, p. 101-115, out/dez. 2004.
NOTAS:
1. De acordo com o Almirante Vidigal (2004, p. 114), a guerra clássica é um conceito que envolve o choque entre as forças armadas rivais, e continua sendo o mais importante elemento definidor da estratégia de segurança nacional.
* Alexandre Tito dos Santos Xavier é Capitão-de-Corveta da Marinha do Brasil, atual concluinte do curso de Estado-Maior para oficiais superiores da Escola de Guerra Naval (MB).
XAVIER, Alexandre Tito dos Santos. A importância do Mar e das Águas Interiores para a Marinha do Brasil no novo contexto mundial. Rio de Janeiro: Revista Eletrônica Boletim do TEMPO, Ano 3, Nº29, Rio, 2008 [ISSN 1981-3384]