#319
Mensagem
por PRick » Qui Fev 07, 2008 7:12 pm
Olha a prova que existe vida pensante nas redações de nossos Jornais!
Jobimarino Amarelo
O Brasil não forma o Brasil. Nosso debate é ralo, oco, oscilando entre o denuncismo necessário mas inconsequente porque nada muda e o declaratório vazio sobre os fatos da véspera, que enche os jornais de aspas mas não de idéias.
Enquanto isso este imenso e desconexo país vai se formando aos trancos, sem direção. O que nos faz ziguezaguear até o destino manifesto de potência tropical ao qual talvez, por isso mesmo, nunca cheguemos, ao invés de tomarmos o caminho mais eficiente desbravado num debate profundo que gere lucidez e consenso propulsor.
Sucessivos governos sequer tentaram esse debate, já que, no poder, sentem-se donos do Estado, sem ter de prestar contas até a próxima eleição fraudulenta --sim, todas são fraudulentas pois financiadas de forma criminosa e obscura.
No governo Lula, duas viagens ministeriais recentes, de Mangabeira Unger à Amazônia e de Nelson Jobim à Europa, são exemplos do que se deve e não se deve fazer para incentivar a troca de idéias e a busca do consenso.
Mangabeira, ministro de Assuntos Estratégicos, esteve na Amazônia e de lá torpedeou o país de idéias instigantes e/ou mirabolantes sobre a região mítica, 59% do território nacional. Em entrevista à Folha, disse: "A causa da Amazônia deve ser vista no Brasil como uma causa nacional. Então, comecei a organizar uma proposta para a Amazônia, que não poderia ser imposta de cima para baixo. Preferi ser imprudente a ser evasivo. Não posso executar minha tarefa de maneira responsável se estiver preocupado em me resguardar. Nós, brasileiros, temos de perder o medo das idéias. Formulei esse documento e o divulguei. Não é a expressão de uma posição oficial do governo nem da minha pasta. É um documento destinado a provocar e a organizar a discussão."
Mas Mangabeira foi folclorizado por nós imprensa, acostumados a não debater propostas, mas cobrir incessantes escândalos, falcatruas, personalidades. E Mangabeira, com seu sotaque americano, seu jeito falso gauche, sua erudição harvardiana, é o mais folclorizável entre tantos folclorizáveis.
Foi preciso um jornal gringo, o "New York Times", para levar Mangabeira a sério, com uma entrevista-perfil com o primeiro professor titular latino-americano da prestigiada Harvard Law School.
Mangaberia expôs também aos leitores do "Times" suas idéias ignoradas no grande debate brasileiro: "A Amazônia não é só um conjunto de árvores, mas de 25 milhões de habitantes. Se não criarmos oportunidades econômicas reais para eles, o resultado prático será o estímulo a atividades econômicas desorganizadas que resulta em mais destruição da floresta. Esta é uma imensa fronteira da imaginação. O país pode se reinventar ao transformar a Amazônia". O professor-ministro prega ainda uma "reconstrução institucional", mas nota que "nós, como brasileiros, não sabemos como fazer isso".
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, certamente não sabe. Fez um giro por França e Rússia com o objetivo necessário de rearmar nosso desprovido arsenal. E, é forçoso notar, Mangabeira lá estava também, mas dessa vez, tristemente, calou-se.
Se o Brasil quer (e deve) ocupar mais espaço geopolítico na nova nova ordem mundial, precisa reequipar suas Armas para proteger nossas fronteiras esburacadas e ampliar nossa capacidade de projetar força. E há ainda a Venezuela do petrocaudilho Hugo Chávez se rearmando ferozmente.
Mas se o Brasil precisa de mais e melhores armas, precisa antes debater o assunto. Não deve ser Jobim (nem Mangabeira), enfiado nos palácios europeus, a decidir que armas precisamos e de quem as compraremos, pois isso determina implicações maiores que não cabem na sua pasta. Em sua marcha européia, Jobim tratou de uma aliança militar com a França, da compra de um submarino nuclear e de dezenas de aviões caças e ainda da implantação de um satélite de monitoramento do espaço aéreo e territorial brasileiro.
São decisões bilionárias e seminais que precisam sair dos gabinetes escuros dos palácios e ser expostas à luz do debate e do escrutínio público. Devemos reforçar laços de defesa (e de negócios e de inteligência) com franceses, russos ou americanos? Parece óbvia a necessidade do debate.
Nos países desenvolvidos politicamente, ele é conduzido em grande parte pelas comissões do Parlamento. No Brasil, encontrei no site Senado a Subcomissão Permanente para Modernização e Reaparelhamento das Forças Armadas, a CREMRFA. O único registro de sessão apontado foi a de instalação, na fatídica data de 6/6/6, que elegeu o senador Romeu Tuma (PTB-SP) como presidente.
Já a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, a CREDN, informa no seu site que "desenvolveu um intenso trabalho durante este ano" (na verdade 2007, parece que 2008 ainda não começou por lá). Também não encontrei nada sobre o submarino de Jobim ou mesmo o antigo projeto de compra de caças.
Mas o ano passado foi de fato agitado na CREDN por causa do trágico caos aéreo, que serviu de vitrine para seus deputados e provou que o debate no Brasil só acontece depois dos estragos e das tragédias. Para evitá-los, precisamos debater antes, durante e sempre, intensamente.
Sérgio Malbergier é editor do caderno Dinheiro da Folha de S. Paulo. Foi editor do caderno Mundo (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha Online às quintas.