Marino escreveu:Começou:
Governo russo banca viagem de Jobim a São Petersburgo
Governo, dono de empresas que pretendem vender submarinos e caças à pasta da Defesa, bancou ida de brasileiros a São Petersburgo
Código de conduta permite o pagamento de viagem, mas diz que aquele que a oferece "não poderá ter interesse em decisão" do agraciado
DO ENVIADO A SÃO PETERSBURGO
São 9h40 da manhã do domingo de Carnaval, com 0C, neve intermitente, e a comitiva de nove representantes do governo brasileiro na viagem oficial a São Petersburgo (634 km de Moscou) já está na rua para conhecer os pontos turísticos da cidade, com guias e pessoal do Exército russo. Uma hora depois estarão circulando entre os quadros do museu Hermitage, a jóia da coroa da cultura russa. Haviam dormido tarde na noite anterior, pois receberam ingressos dos anfitriões para admirar o balé "Raymonda", no teatro Mariinsky (ex-Kirov), onde a entrada varia de R$ 45,61 a R$ 228,00.
A rotina ditada pelo lobby russo é intensa e o controle da agenda não dá descanso à comitiva brasileira. Toda a viagem de Moscou a São Peterburgo da comitiva de Nelson Jobim, que veio acompanhado da mulher, Adriane Sena, foi bancada pelo governo russo, incluindo transporte, hospedagem, almoços e jantares. O governo também é o dono de todas as empresas e agências que pretendem vender submarinos, caças, helicópteros e blindados ao Ministério da Defesa. É uma gama de nomes pouco conhecidos no Brasil, como Rosoboronexport, Spark, Rubin, mas que movimentam a máquina de guerra russa em escala global.
Os brasileiros deixaram o Legacy da FAB (Força Aérea Brasileira) no aeroporto de Sheremetevo, em Moscou, e vieram num Tupolev fretado da força aérea russa. A passagem aérea da companhia Aeroflot custava ontem R$ 328, ida e volta. Ficaram hospedados num dos melhores hotéis de São Petersburgo, o Renaissance (diária mais barata: R$ 453), a meia quadra da catedral de São Isaac.
Sem compromissos
A agenda de Jobim, divulgada no site do ministério na internet, não revela os caminhos da comitiva. O comunicado de ontem dizia o seguinte: "O ministro da Defesa, Nelson Jobim, retorna com sua comitiva para Moscou, onde permanece sem compromissos oficiais". Ele embarcou às 16h30 de volta à capital. O ministro Roberto Mangabeira Unger (Assuntos Estratégicos) não acompanhou a comitiva a São Petersburgo, ele ficou em Moscou.
O Código de Conduta da Alta Administração Federal, que norteia os atos dos ocupantes do primeiro escalão do governo, como o ministro da Defesa, permite, no parágrafo único do artigo 7, o pagamento de despesas de viagem para servidores conferencistas, por exemplo, mas a ressalva é esta: "Promotor do evento (...) não poderá ter interesse em decisão a ser tomada pela autoridade".
Jobim -primeira vez em São Petersburgo- alegou que "não se trata de lobby", que aceitou um convite do ministério russo e disse que o Brasil "age da mesma forma". Um membro da comitiva falou em "reciprocidade". O código de conduta prevê que "presentes" possam ser aceitos por autoridades "somente nos casos protocolares em que houver reciprocidade".
Mas o Brasil não está interessado em vender e talvez nunca tenha vendido um só cartucho de bala para o Ministério da Defesa da Rússia -assim como a Rússia não parece interessada em comprar. A pauta do comércio bilateral Brasil-Rússia, em torno de R$ 5 bilhões anuais, hoje é 90% ditada por carne bovina (venda brasileira) e fertilizantes (venda russa), assuntos do Ministério da Agricultura.
A França também já havia feito o máximo com os possíveis compradores -da agenda oficial de Jobim da última quinta-feira consta um "jantar oferecido pela Dassault", que pretende vender seus caças Rafale ao Ministério da Defesa.
O ministro também não viu problemas no jantar. Para ele, são questões menores, de pessoas "que pensam pequeno".
Oficialmente, as despesas foram pagas "pelo governo russo", mas não é possível saber o que veio do orçamento da Defesa e o que veio direto das estatais. A Folha procurou o Ministério das Relações Exteriores da Rússia, no setor responsável pelo contato com a imprensa da América do Sul, mas a resposta foi que não havia informações detalhadas disponíveis sobre a passagem dos brasileiros pelo país. (RUBENS VALENTE)
"Não é nenhum lobby russo, é convite do ministro", diz Jobim
DO ENVIADO A SÃO PETERSBURGO
As indagações sobre a cobertura dos custos e o lobby do governo russo em torno da comitiva do Ministério da Defesa em viagem à Rússia, são questões de pessoas que "pensam pequeno", disse anteontem, em entrevista à Folha, o ministro Nelson Jobim. O ministro da Defesa disse que os russos não estão "comprando decisões". Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida por Jobim. (RV)
FOLHA - A empresa Rosoboronexport [que oferece produtos militares ao Ministério da Defesa] é uma estatal, mantida pelo governo russo. Percebo que toda a viagem aqui é organizada pelos russos, transporte aéreo, hospedagem, eventuais almoços, jantares. Como o sr. vê esse lobby russo em relação ao Ministério da Defesa?
NELSON JOBIM - Não é nenhum lobby russo, isso é convite do ministro da Defesa. O ministro nos convidou, viemos a convite deles, exclusivamente nesse sentido. Nós fazemos a mesma coisa. Quando os russos vão ao Brasil, nós fazemos todo esse atendimento, isso é normal, absolutamente normal. Não há nenhuma relação de que, com isso, estariam comprando decisões, absolutamente. Há uma viagem, a convite do governo russo, em que ele se dispõe a nos ofer... a nos mostrar coisas. Então estamos aí, examinando.
FOLHA - E quanto ao jantar com a Dassault, que também é eventual fornecedora de equipamentos? O sr. acha natural?
JOBIM - Absolutamente natural. Ou a Folha de S.Paulo não janta com os outros jornais, com os fornecedores de papéis de vocês?
FOLHA - Eu não sei responder pelo jornal. Mas é uma empresa privada.
JOBIM - Não tem problema nenhum, absolutamente. Você veja que a perspectiva de sua pergunta mostra, digamos, a distorção da visão que está tendo o jornal, a imprensa brasileira, com as necessidades do Brasil. Nós temos que pensar grande, não podemos pensar pequeno.
FOLHA - A pergunta é minha, como repórter.
JOBIM - Estou dizendo que a sua pergunta mostra claramente que a posição de vocês é pensar pequeno. No Brasil acabou essa história. Temos que pensar grande, no desenvolvimento do país.
O negócio da Folha de SP sempre foi criar polêmica....