Tudo bem,Orestes
Em primeiro lugar li seus artigos e desde já o felicito, não só por o ter feito como por ter compartilhado com o fórum uma atitude muito meritória.Achei os artigos muito bons.
Confesso que gostei imenso do combate de idéias entre os foristas Marino,G-LOK e você,sem dúvida muito enriquecedora.
Para que fique extremamente claro,minhas ponderações não têm como objetivo principal conceituar a importância do Porta-Aviões para o Brasil,embora reitere que o Brasil deve tê-lo mas com operacionalidade máxima,coisa que infelizmente ainda não vi.
Muito bem,entrando no assunto propriamente dito,penso que existe consensualidade que a Marinha brasileira seja assente numa marinha oceânica(esquadra),numa marinha anfíbia(corpo de fuzileiros navais) e numa marinha costeira e fluvial(Forças Distritais e Serviços Hidrográficos),talvez se possa discutir a que Ministérios ou Departamentos estarão subordinados,por exemplo nos EUA a USN e a USMC estão subordinadas ao Departamento de Defesa e a USCG ao Departamento de Segurança Interna.Penso que no Brasil e na maior parte das Marinhas mundiais por razões economicistas as três vertentes estão tuteladas aos Ministérios de Defesa.
Também é mais ou menos consensual que o Poder Naval pode ser subdividido em Poder Marítimo e Poder Militar,e que se manifestam sobre três vertentes a componente diplomática,militar e de serviço público.
Agora o grande dilema disto tudo e penso que no cerne da discussão dos foristas está na empregabilidade desse Poder Naval e passo a explicar que tarefas executar,que alterações e variações ocorreram ao longo do tempo que o transfigura no presente,que tipo de marinha queremos e podemos ter,que meios navais serão os mais adequados para a Marinha Brasileira,sobre isto desenvolverei o tema oportunamente.
Lógicamente que existem várias correntes de pensamento,umas que vão ao que pessoalmente penso outras não,não necessáriamente certas ou erradas.
Hoje em dia em minha opinião e apesar de ter uma simpatia pela Marinha,tenho um conceito de Forças Armadas mais integradas e harmonizadas entre si embora cada uma com suas espeficidades intrínsecas do que de cada uma em separado.
Não de uma forma para contestar os excelentes artigos do forista Orestes,mas de uma forma positiva acrescentar algo ao diálogo colocarei aqui um artigo que penso que enriquecerá o tema e que harmonize nosso diálogo.
2006/01/17
O Emprego do Poder Naval no Século XXI
Alexandre Reis Rodrigues
Funções das Marinhas e Caracterização do Poder Naval
O Poder Naval pode ser visto sob dois aspectos, que se interligam e, de alguma forma, se complementam, mas que são realidades distintas: ou como componente do Poder Marítimo, aquele que se relaciona com a utilização do mar como fonte de recursos e via de comunicação e no qual as marinhas de guerra são o seu instrumento militar, ou então como componente do Poder Militar que encara o mar como uma área de manobra cujo controlo lhe cabe assegurar.
Vou tratar apenas desta última concepção, não obstante a importância que a outra tem, no caso nacional, ao fazer recair dobre a Marinha, em complemento da sua função militar, o peso das tarefas típicas de uma guarda costeira, quer para assistência no mar, quer para a imposição da lei nas águas sob jurisdição nacional.
Esta situação costuma ter uma representação gráfica no tradicional triângulo das funções da Marinha, cujos lados são a função militar propriamente dita, a função de natureza policial atrás referida e a função de presença naval, a que mais tarde voltaremos, com uma análise mais detalhada.
Portugal tem mantido esta concepção de emprego do Poder Naval, porque assim evita os custos da manutenção paralela de duas organizações distintas – a da marinha militar e a da guarda costeira - para objectivos facilmente conciliáveis e parcialmente comuns. Poupa-se, dessa forma, duplicações de infra-estruturas e de meios, que de outra forma seriam inevitáveis.
Nos países que têm uma Guarda Costeira, as funções da Marinha estão restritas aos aspectos essencialmente militares e, portanto, são geralmente definidas de modo algo diferente. Os EUA, por exemplo, até 2001 definiam-nas sob cinco vertentes principais: o controlo do mar[1]; a projecção do poder[2]; a dissuasão estratégica, essencialmente de natureza nuclear; o transporte marítimo estratégico e, finalmente, a presença avançada. Hoje, porém, agrupam-nas em três componentes: uma componente de defesa, Sea Shield, uma componente ofensiva, Sea Strike, e uma componente de apoio, Sea Basing.
A função de Sea Shield tende a funcionar como uma espécie de Homeland Defense à distância, estendendo a segurança territorial em direcção ao mar, numa concepção de defesa por camadas, incluindo, como elemento-chave a defesa anti-míssil balístico[3]; inclui, porém, também a protecção de forças destacadas em teatros de operações avançados e a manutenção de condições de acesso a litorais. A função de Sea Strike, que se refere à projecção de poder contra terra[4]. Finalmente, a função Sea Basing que visa melhorar a independência operacional das forças em relação a bases ou pontos de apoio logístico em terra, garantindo, em alternativa, bases móveis no mar não sujeitas às contingências de autorizações diplomáticas e menos exigentes em relação a necessidades de protecção contra as mais prováveis ameaças.[5]
Numa outra concepção mais simplificada do entendimento a dar ao Poder Naval, outros autores resumem as funções das marinhas a quatro aspectos principais: lutar; atacar; proteger e persuadir. Lutar contra marinhas oponentes, atacar terra, proteger o próprio território e as vias de comunicação marítimas vitais e persuadir terceiros a alterar comportamentos, quer com a utilização efectiva de força ou com apenas a ameaça do seu uso.
Proponho, no entanto, deixar de lado esta questão de definição das missões das Marinhas, mais académica do que prática, para, em alternativa, referir-me a duas expressões concretas do seu emprego, com importância crescente nos tempos presentes: o seu papel na condução de crises e o seu emprego em tempo de paz, precisamente as duas tarefas, que melhor partido permitem tirar dos dois principais atributos do Poder Naval: a flexibilidade de movimentação e a flexibilidade de emprego.
Flexibilidade de movimentação decorre da natureza e contexto legal do ambiente em que as marinhas operam; obviamente, não significa capacidade de movimentação rápida. É um aproveitamento do facto de os mares não terem fronteiras entre si; embora tenham nomes diferentes, e pareçam ter identidades próprias, são um espaço sem descontinuidades físicas e que, na sua quase totalidade, não está sob a jurisdição de países. Podem ser atravessados com quase total independência de autorizações.
Flexibilidade de emprego significa facilidade de utilização em qualquer zona do espectro de conflito, desde a mais baixa à mais alta, mantendo sempre a mesma configuração, ou seja, capacidade de ajustamento rápido da postura às necessidades de condução política da crise.
Na prática do emprego de forças navais na condução de crises, estes dois atributos podem materializar-se nos seguintes aspectos:
Na gestão política da crise
É fácil manter alguma ambiguidade à volta do movimento dos navios (itinerário, destino, propósito, etc.) e, assim, evitar vincular a decisão da sua deslocação a comprometimentos políticos irreversíveis ou leituras firmes de intenções. Esta possibilidade é especialmente útil, antes de entrada em situações de conflito declarado, para deslocar forças navais antecipadamente para áreas de previsível crise ou de crise em desenvolvimento, mantendo em aberto várias saídas possíveis.
Na gestão política do tempo
Podem permanecer na área por períodos longos, mantendo em aberto quer a opção de avançar quer a de retirar sem perda de face; permitem comprar tempo, regulando o seu avanço para o objectivo à medida das conveniências do processo político.
Podem actuar lentamente, limitando-se a debilitar o inimigo ou as partes em confronto, para as obrigar a recorrer a negociações; evitam, com facilidade, situações irreversíveis.
Na gestão da postura operacional a adoptar
Têm facilidade em ajustarem-se a uma transição politicamente controlada entre situações próprias de tempo de paz e situações de crise em desenvolvimento ou vice-versa, na medida em que podem manter um controlo apertado do uso da força e de observação centralizada das regras de empenhamento em vigor, em contacto directo com a condução política da situação.
Podem ser mostradas ou escondidas, conforme convier. Quando abertamente mostradas tanto podem assumir uma postura agressiva como uma postura amigável.
São menos intrusivas; actuam sem necessariamente ir ao contacto directo, mais à distância, logo, permitindo maior controlo dos riscos. O seu emprego tende, por isso, a suscitar menos rejeições na opinião pública.
Na capacidade de resposta
Quando estão prontas, fora dos períodos de manutenção ou reparação, estão também abastecidas e com as dotações de armamento e de sobressalentes para períodos pré-estabelecidos de tempo, que podem ser ajustados em função da previsível evolução da situação. Estão prontas a operar onde quer que seja necessário, sendo praticamente indiferente se é à vista da própria costa ou a centenas ou milhares de milhas. Por isso se pode dizer que, quando operacionais estão também “on call” em curto espaço de tempo, o que é importante na perspectiva da manutenção de iniciativa.
Graças à sua capacidade de sustentação própria, têm um relativamente elevado grau de independência sobre bases de apoio em terra. Geralmente, podem-nas dispensar na área de intervenção; quando muito, requerem pontos de apoio em áreas vizinhas, se envolvidas em operações prolongadas. Têm, portanto, uma capacidade expedicionária intrínseca, isto é, em termos logísticos, dependem principalmente de si próprias, incluindo aí os navios auxiliares que as acompanham.
Noutros aspectos
Actuam como uma extensão da soberania do Estado a que pertencem e que representam. Não ocupam território estrangeiro; continuam a ser, em qualquer circunstância, território nacional, livres, portanto, dos constrangimentos locais, embora necessitem de autorização diplomática para permanecer em águas territoriais de outros países ou de fazerem notificação prévia de passagem nessas águas.
Têm facilidade em observar uma base comum de interoperabilidade com outros meios navais, em especial, se são aliados ou amigos. Os critérios e parâmetros técnicos de construção que seguem são geralmente comuns, nalgumas vezes por imposição própria da Aliança. Têm fáceis e frequentes oportunidades de treino com aliados e amigos, até durante simples trânsitos nos chamados exercícios de oportunidade.[6]
A Missão de Presença Naval ou o emprego das marinhas em tempo de paz:
Presença Naval é a designação mais geralmente aceite para referir, em termos genéricos, o emprego das marinhas em tempo de paz. É uma missão permanente de qualquer marinha, mas não é uma função para que as marinhas tenham que ser expressamente desenhadas segundo determinados parâmetros técnicos. Surge como aproveitamento das suas aptidões para operarem em qualquer zona do espectro de conflitos. É, portanto, uma função que pode ser desempenhada por qualquer navio, independentemente do propósito específico da sua construção.
Pode assumir, tanto separadamente como simultaneamente, três linhas distintas de actuação:
Uma linha essencialmente militar, de natureza preventiva, mantendo uma presença persistente ou contínua na área de interesse estratégico, para dar visibilidade ao empenho do país em prevenir e, se necessário, enfrentar eventuais tentativas de contestação da autoridade nacional em espaços sob jurisdição nacional. Procura garantir que eventuais desvios de comportamento na área de interesse, configurando possíveis ameaças em desenvolvimento, são oportunamente detectados
Uma linha de natureza diplomática, para ajudar a promover a imagem do país no exterior, como um símbolo externo do prestígio nacional, para apoiar aliados ou amigos, para mostrar interesse por situações cujo desfecho não seja indiferente ao país ou, para apoiar esforços diplomáticos de negociação. Inclui dar visibilidade a uma aliança ou coligação, como acontece, por exemplo, nas deslocações de rotina das forças navais da NATO ou EUROMARFOR.
Uma linha de natureza diplomático-militar, mas comportando elementos de coacção económica, psicológica ou de eventual uso de força, numa perspectiva de dissuasão. É uma vertente com natureza potencialmente coerciva, incluindo uma mensagem de possível intenção de uso de força. É frequentemente designada por “Diplomacia de canhoneira”.
Os problemas de reequipamento
Uma nota final, nesta breve caracterização do Poder Naval, sobre a questão do reequipamento que, por exigir planeamentos a longo prazo, levanta alguns problemas diferentes: é mais complexo, por requerer maior previsibilidade de necessidades futuras e investimentos geralmente significativos; é menos flexível, por maior dificuldade de ser alterado em função de novas situações. A programação da aquisição de navios e subsequentes processos de construção são muito longos. Podem ir para prazos, eventualmente na ordem dos 15 anos, desde a concepção inicial do navio até ao lançamento à água do primeiro navio da série. Como o horizonte de vida de um navio é de cerca de 30 anos isso significa que se tenha que começar a pensar na substituição dos navios pela altura em que atingem o meio do seu ciclo de vida!
O que tem mudado no emprego do Poder Naval?
O que provocou as mudanças
Em termos de segurança, vive-se uma situação com poucos pontos comuns com o passado. Não são só as ameaças que são diferentes; são também muito diferentes os contextos em que essas ameaças se poderão concretizar.
O assunto é por demais conhecido; não precisa de estar aqui a ser de novo escalpelizado. Limito-me a destacar as três mudanças responsáveis pela forma diferente de encarar, hoje, o emprego do Poder Naval, aliás, o emprego do Poder Militar em geral: a natureza da Defesa; a natureza e previsibilidade dos conflitos e o conceito de soberania.
A natureza da Defesa
Desapareceu a necessidade de uma defesa essencialmente passiva para resistir e responder a eventuais agressões, numa perspectiva de salvaguarda da integridade territorial. Surgiu, em alternativa, a necessidade de uma defesa sem fronteiras, que nos obriga a defender interesses onde quer que eles estejam ameaçados ou onde se possam desenvolver situações que, directa ou indirectamente, se possam repercutir negativamente sobre eles.
A natureza e previsibilidade dos conflitos
A anterior possibilidade de um conflito global, em larga escala, foi substituída por um crescente número de conflitos de menor dimensão mas envolvendo ameaças directas à segurança e estabilidade de que os países precisam para que haja progresso. O inimigo passou a ser incerto e difuso e, provavelmente, não hesitará a recorrer a métodos não convencionais, eventualmente com armas de destruição maciça.
Deixou de se poder contar com a previsibilidade que existia no passado sobre a maior ou menor possibilidade de um ataque. Ficou em causa a anterior suficiência das chamadas acções preemptivas, isto é aquelas que pressupõem a eminência de um ataque e, por isso, se enquadram no conceito de auto-defesa. Cresceu a necessidade de actuar preventivamente, antes que a ameaça se concretize, indo ao encontro dos focos de estabilidade que, directa ou indirectamente, nos possam atingir.
O conceito de soberania
A afirmação da soberania alargou-se para fora do âmbito restrito da defesa territorial; passou a incluir, entre outros aspectos, a necessidade de os países se fazerem ouvir e de estarem presentes, de uma forma útil, na resolução das crises, conflitos e calamidades que continuam a grassar por todo o mundo.[7]
As mudanças no emprego do Poder Naval
Inevitavelmente, tudo isto alterou a natureza dos conflitos no mar e originou uma nova prioritização das missões, com repercussões na composição das marinhas e na configuração dos navios. Enquanto algumas missões tradicionais perderam relevância outras ganharam uma prioridade imprevista.
O que diminui de importância
Desapareceu ou diminui de importância, pelo menos nos tempos mais próximos, a necessidade de garantir a segurança das principais linhas de comunicação marítimas, que dantes era um esforço chave para o reabastecimento e reforço da Europa, na perspectiva de um conflito de grandes proporções que acabou por não acontecer e que se tornou hoje muito improvável.
Diminui a necessidade de controlar os grandes espaços oceânicos, segundo o conceito de controlo do mar, inspirado nas ideias de Mahan, que assentava na destruição ou neutralização das esquadras inimigas. Diminui, assim, a necessidade de as marinhas estarem primariamente preparadas para combater outras marinhas em confrontos tradicionais
O que aumentou de importância
Cresceu a importância das Marinhas operarem nas imediações do litoral, em apoio das operações terrestres, e aumentou a pressão das tarefas no lado menos exigente do espectro de conflito mas exigindo uma constante acção de presença no mar, em três áreas principais:
Na protecção da navegação mercante, em algumas áreas críticas, como é o caso de cerca de meia dúzia de canais internacionais e estreitos por onde passa cerca de 75% do comércio mundial, verdadeiros calcanhares de Aquiles do comércio marítimo mundial, hoje muito ameaçados pelo recente recrudescimento da pirataria e do terrorismo marítimo internacional.
Cresceu o papel do Poder Naval na manutenção da ordem internacional no mar pela necessidade de combater redes terroristas internacionais e organizações de crime organizado que procuram tirar partido do regime liberal de registos marítimos para financiar as suas actividades de comércio ilegal e para tentar usar a navegação mercante como veículos de ameaças assimétricas. É neste tipo de empenhamento que a NATO tem estado envolvida continuamente há mais de três anos no Mediterrâneo, no âmbito da Operação Active Endeavour, que procura controlar a chamada “frota do terror”.
Aumentou ainda a importância do combate à proliferação de armamento de destruição maciça, quer no controlo do trânsito de materiais proibidos nessa área, o que é o caso da Proliferation Security Initiative, quer pelas capacidades de intercepção de mísseis balísticos que os navios de defesa aérea de área já começam hoje a ter.
As novas tecnologias
Algumas novas tecnologias vieram alterar, nalguns casos de forma radical, o emprego do Poder Naval. É, aliás, nesta área que o Poder Militar mais transformações tem vindo a sofrer. O assunto não é específico das marinhas, respeita também aos outros dois ramos e por isso refiro-o apenas resumidamente, por menção das áreas onde mais impacto teve, isto é: na letalidade dos sistemas de armas pelo extraordinário aumento da capacidade de precisão; na vigilância do campo de batalha e no âmbito do comando e controlo pelos avanços conseguidos na disseminação da informação imediatamente utilizável. No conjunto, todas estas novas tecnologias permitem, pela primeira vez que um eventual declínio no número de plataformas não tenha necessariamente que corresponder a um declínio em capacidades.
Os problemas específicos das operações no litoral
Algumas das implicações de todas estas mudanças respeitam, em primeira instância, às chamadas operações navais do litoral que trouxeram para o emprego do Poder Naval problemas que não existiam anteriormente e que precisam de ser compreendidos, antes de referirmos o seu impacto sobre o material.
Um campo de batalha mais compacto
Operar no litoral corresponde a uma compressão do campo de batalha, impedindo a exploração do movimento, o mais característico elemento da natureza das marinhas e um dos seus principais trunfos. Com mais limitadas capacidades de manobra, facilita-se ao oponente a tarefa de localização, não se podendo tirar partido da capacidade de santuário que o alto mar oferece.
Os navios ficam sujeitos ao novo problema das ameaças assimétricas, exigindo-lhes a preservação de um rigoroso perímetro defensivo à volta de cada unidade contra meios de difícil identificação, como pode ser o caso de um simples barco de pesca de aspecto inofensivo, e contra os quais os sofisticados sistemas de combate a grandes distâncias não são eficazes nem podem ser explorados em todas as suas potencialidades.
Ambiente mais difícil
Passou a ter que se operar num ambiente muito mais exigente. Há uma nova dimensão no campo de batalha; para além da dimensão aérea, de superfície e de sub-superfície, passa a ver também a dimensão terrestre. Isto é, uma plataforma naval no litoral pode ser alvo simultâneo de plataformas inimigas operando em quatro meios diferentes. O contexto operacional é mais complexo de gerir (mais elementos a ter em conta, mais rápida evolução, etc.). Torna-se mais difícil a operação dos sensores de observação, principalmente os acústicos, devido a problemas associados a diferentes condições de salinidade, correntes, temperaturas, biologia, relevo do fundo do mar, reverberações, etc.
Operações mais integradas
Tratando-se de espaços mais confinados, requer-se maior cooperação de todos os intervenientes, uma visão comum do que é preciso fazer e um conhecimento pormenorizado do que são as capacidades e fraquezas de cada tipo de unidade. Exige-se uma equipa multidisciplinar envolvendo os três ramos das forças armadas, organizada e treinada para objectivos específicos.
Na verdade, é na área das operações no litoral que reside o mais alto nível de exigência de operação conjunta dos três ramos, obrigando a descer ao nível da integração táctica de forças, o que pressupõe profundo conhecimento mútuo das potencialidades e limitações de cada tipo de plataforma. Já não se trata, como acontecia no passado, de desconflituar operações envolvendo mais do que um ramo e ocorrendo numa mesma área. Mas também não chega a integração dos quartéis-generais de cada componente, num quartel-general conjunto; haverá que descer ao nível das forças no terreno, como se disse atrás.
O impacto das mudanças no material
Já vimos atrás que há três aspectos novos na utilização do Poder Naval: as operações no litoral, as operações no lado mais baixo do espectro do conflito e a menor necessidade de controlo dos grandes espaços. Inevitavelmente, desta nova situação resultaram diversas implicações concretas sobre o material naval, na configuração das marinhas e dos navios.
Na configuração das marinhas
Controlo do mar versus projecção do poder contra terra
Na composição das esquadras com capacidade oceânica, estas novas circunstâncias determinaram a necessidade de um novo balanço entre a capacidade de controlo do mar[8] e a capacidade de projecção de poder, ou seja uma diferente correlação entre forças desenhadas para o combate naval e os meios mais vocacionados para permitir operações expedicionárias, que passaram a ter prioridade. Esta situação tende a compelir as marinhas a trocar parte do anterior requisito de capacidades em todas as áreas da guerra naval e de participação em qualquer tipo de conflito, por uma postura menos rigorosa na área do confronto naval com outras marinhas mas mais exigente na projecção do poder contra terra.[9]
Capacidade expedicionária
No âmbito da capacidade expedicionária, num contexto de crescente importância, as marinhas ver-se-ão obrigadas a dispor de um desenvolvido elemento de transporte sem, no entanto, poderem prescindir do correspondente elemento de força que lhe há-de assegurar protecção, no trânsito e no local de acção, e a garantia de ultrapassar possíveis oposições ao acesso ao litoral. Como é habitual, esse elemento de transporte incluirá uma combinação de meios militares especializados, nomeadamente para desembarque das forças sem apoios locais, com meios de transporte civil.[10]
Combinação de meios
As pressões financeiras sobre os orçamentos de defesa continuarão a fazer as suas exigências, mesmo entre os países ricos, e a obrigar a opções nem sempre fáceis: menos navios, navios mais baratos, navios de uso múltiplo ou combinações de navios com capacidades complementares.
Enraíza-se a ideia de que é possível encarar a configuração das marinhas como um combinação de meios com maiores capacidades com outros de reduzidas ambições. Aceita-se o conceito de que os navios não precisam de estar igualmente protegidos contra todos os tipos de ameaças, uma vez que alguns poderão assumir a defesa geral dos mais indefesos. Recorrer-se-á à procura de complementaridade funcional entre os vários tipos de navios, com a inerente interdependência operacional, ou seja, uma combinação de meios especializados por tipos de tarefas.
A nova família de navios prevista para a Marinha americana, aliás já em fase de construção, procura responder à maior parte destes novos requisitos e desafios. Refiro-me aos novos navios concebidos expressamente para o combate no litoral, aos destroyers com sistemas múltiplos de armamento quer para defesa aérea quer para ataque a alvos em terra e os cruzadores com capacidade de defesa aérea de teatro e de intercepção de mísseis balísticos.
Na configuração dos navios
Novo tipo de navio
A necessidade de operar no litoral levará as Marinhas a fazer significativas alterações na configuração dos navios, em programas de reequipamento futuros. Como aliás, já está a acontecer na Marinha americana,[11] começará a aparecer um novo tipo especializado de navio para essa área de operações.
Dimensão versus manobrabilidade
Tenderá a trocar-se dimensão por maior manobrabilidade das unidades navais em águas restritas e menor assinatura presencial (radar, acústica, térmica, etc.), para compensar a falta do factor santuário proporcionado pelos grandes espaços.
Novas tecnologias
O recurso a novas tecnologias será orientado para obter mais alcance e mais precisão dos sistemas de armas contra terra, maior protecção anti-míssil, capacidade de efectuar ataques encobertos contra terra num ambiente hostil, rápida inserção de forças, raides e incursões de pequena dimensão, completa integração de todos os sistemas de sensores e armas de bordo, etc.
Veículos não tripulados
Haverá um crescente recurso ao uso de veículos não tripulados para operar à distância, como uma extensão do navio, em qualquer dos quatro possíveis ambientes – superfície, sub-superfície, acima superfície e sobre terra. Estes veículos devem permitir lidar com as ameaças a suficiente distância de segurança, funcionando como sistemas de sensores e de armas dos próprios navios-mãe, que assim poderão ser aligeirados em alguns dos seus sistemas intrínsecos.[12]
Facilidade de Reconfiguração
A funcionalidade e, em especial, a flexibilidade dos navios para, num curto espaço de tempo, ajustarem a sua configuração operacional conforme o seu mais provável emprego tornou-se mais importante do que a capacidade para albergar toda a panóplia possível de sistemas de sensores e armas, para enfrentarem qualquer eventualidade. No desenho dos navios tenderá a recuperar-se, agora noutra perspectiva, o conceito de “espaço vazio” para encher com o tipo de meios mais necessários em cada caso particular, conceito em que se baseia a construção de porta-aviões, que podem ajustar a composição da componente aérea a embarcar de acordo com os objectivos da missão. Este requisito já faz parte das especificações operacionais do novo navio americano, para operar no litoral, que disporá de módulos especializados para tipos específicos de luta naval, substituíveis em curto espaço de tempo.[13]
[1] Que alguns autores consideram a função da marinha e não apenas uma das funções.
[2] Cuja expressão principal é a capacidade expedicionária, ou seja, a capacidade de operar em teatros de operações avançados com capacidade de sustentação própria, pelo menos para a primeira fase.
[3] A. Quando concretizada nesta última perspectiva, pode implicar uma radical alteração de postura dos navios de superfície que lhe forem afectos que, contrariamente ao que é habitual, terão uma posição fundamentalmente estática.
B. A crescente consciencialização das vulnerabilidades existentes no sector portuário e respectivas aproximações pode determinar a criação de uma espécie de NORAD marítimo para garantir suficiente alerta sobre possíveis ameaças nessa área.
[4] Que vai cada vez mais para além do litoral imediato e que já nem sequer exclui, como possíveis alvos, países sem acesso ao mar. Veja-se, por exemplo, o caso do Afeganistão, onde Bin Laden presumia estar a salvo da aviação americana e das suas tropas especiais, ambas, na sua maioria, a operar de plataformas navais.
[5] Há discussões em curso para a possibilidade de agrupar estas três componentes sob a designação única de Sea Shaping, que se admite melhor reflectir a óbvia interligação entre as três componentes.
[6] Este aspecto é particularmente importante se tivermos em atenção as necessidades de cooperação e as obrigações de solidariedade no âmbito da defesa colectiva.
[7] Portugal apreendeu de forma relativamente rápida, mas nem sempre tão organizada de raiz como seria desejável e aconselhável, este novo requisito; é isso o que nos evidencia a generalidade das intervenções militares no exterior que, na generalidade, não foram decididas mais numa base de afirmação e solidariedade internacional do que com base na necessidade de protecção de interesses directos.
[8] Implicando capacidades para destruir ou neutralizar as esquadras que pudessem contestar-lhes o livre uso do mar.
[9] Naturalmente, os EUA seguem também esse novo padrão mas, como potência marítima global que pretendem continuar a ser, manterão, em qualquer caso, uma suficiente capacidade de controlo do mar e dissuasão estratégica.
[10] A Marinha britânica, por exemplo, na Campanha das Falklands tinha 45 navios mercantes requisitados, incluídos na força tarefa.
[11] Litoral Combat ship.
[12] Há já alguns anos que se procura desenvolver veículos aéreos não tripulados para operar de bordo de navios; parecem estar agora superadas as dificuldades que a sua aterragem e lançamento põem num navio; espera-se que os primeiros veículos operacionais estarão disponíveis em 2007. Para operarem à superfície ou sub-superfície já existem diversos tipos de meios.
[13] Anunciam-se prazos da ordem de dois dias.
Abraços,