Pobreza nos EUA é a pior do mundo industrializado
Por Ellen Nunes 05/10/2005 às 23:16
Quatro décadas depois de um presidente norte-americano ter declarado guerra à pobreza, mais de 37 milhões de pessoas no país mais rico do mundo são classificadas oficialmente como pobres, e o tamanho dessa população vem aumentando há anos.
Qua, 05 Out - 17h53
Por Bernd Debusmann
WASHINGTON (Reuters) - Em 2004, segundo dados do governo, 1,1 milhão de norte-americanos caíram para baixo da linha de pobreza, o equivalente à população inteira de uma grande cidade como Dallas ou Praga.
Desde 2000, o número total de pobres vem aumentando ano a ano em um total de quase 5,5 milhões. Mesmo os mais otimistas vêem poucas chances de essa população diminuir em breve, e isso apesar de um acalorado debate sobre o problema, provocado pelas imagens chocantes exibidas nas TVs e que expôs aos olhos do mundo um lado da vida nos EUA que poucos conhecem.
O presidente que declarou a guerra contra a pobreza foi Lyndon Johnson. "Infelizmente, muitos norte-americanos vivem na periferia da esperança, alguns por causa de sua pobreza, alguns por causa de sua cor, e um número excessivo deles devido a esses dois fatores. Esse governo declara uma guerra total à pobreza nos EUA".
Isso foi em 1964. Na época, 19 por cento da população norte-americana vivia abaixo da linha oficial da pobreza. O número caiu nos quatro anos seguintes e, em 1968, estabilizou-se em 12,8 por cento. Desde então, tem flutuado pouco. No ano passado, a taxa foi de 12,7 por cento, um indício de que a pobreza é um problema crônico.
A situação da pobreza nos EUA é medida uma vez por ano pelo Censo do país, cujo relatório, com mais de 70 páginas cheias de estatísticas, é usado por vários acadêmicos, mas raramente provoca debates públicos ou chega às TVs. Mas em 2005, foi diferente.
O lançamento do relatório coincidiu com a passagem do Katrina, o violento furacão que matou mais de 1.100 pessoas nos Estados da Louisiana e do Mississippi. Imagens de mortos e pessoas em desespero transmitidas ao vivo por canais de televisão mostraram de perto a realidade que os mapas do Censo avaliam numericamente.
CENAS CHOCARAM O MUNDO E ENVERGONHARAM PAÍS
As imagens chocaram o mundo, deixaram muitos norte-americanos envergonhados e detonaram comparações com as condições de vida em países em desenvolvimento como a Somália e Bangladesh.
Em Nova Orleans, a cidade mais atingida pelo Katrina, os EUA viram muitos negros pobres implorando por ajuda. A maior parte das equipes de resgate, quando finalmente chegaram, era integradas por brancos apenas.
A porcentagem de norte-americanos negros que vivem na pobreza é de 24,7 por cento, ou quase o dobro da taxa total, que inclui todas as raças.
Em Nova Orleans, uma cidade de maioria negra, essa disparidade traduziu-se no seguinte cenário: os que possuíam dinheiro e carros, quase todos brancos, fugiram do local, enquanto 100 mil negros desprovidos de carro ficaram presos em meio a uma grande inundação.
Alguns comentaristas perguntavam-se se a crise mostrava que a segregação política, uma versão norte-americana do apartheid que terminou com a Lei de Direitos Civis de 1964, havia sido simplesmente substituída pela segregação econômica.
Várias outras cidades dos EUA apresentam essa divisão social: negros pobres de um lado, brancos ricos de outros.
Entre essas cidades estão Newark, Filadélfia, Detroit, Atlanta, Baltimore, St. Louis, Oakland, Miami e Washington. Leva-se dez minutos para ir de carro da Casa Branca para o coração de Anacostia, o bairro mais pobre da cidade. E essas áreas poderiam pertencer a mundos diferentes.
No entanto, as cenas com negros pobres como as vistas em Nova Orleans não retratam toda a realidade. Há três vezes mais brancos pobres que negros pobres nos EUA e a taxa de pobreza entre os brancos subiu mais rápido do que entre os negros e os hispânicos.
Acadêmicos também afirmam que os dados do governo minimizam a verdadeira escala da pobreza porque estão defasados. A fórmula para determinar o nível de pobreza foi criada em 1963, partindo-se do pressuposto de que um terço do orçamento familiar era gasto com comida.
Isso não é mais verdade. Os gastos com a habitação transformaram-se na maior despesa de uma família e dezenas de milhares de "pobres que trabalham," como são conhecidos os que ganham um salário mínimo ou pouco mais que isso, são obrigados a dormir em carros, trailers, motéis ou abrigos.
"Todo mês de agosto, nós, os norte-americanos, contamos a nós mesmos uma mentira", afirmou David Brady, da Universidade Duke.
"A taxa de pobreza foi criada pensando em subestimar o problema porque o governo queria mostrar avanços no combate a ele. Se levarmos tudo em conta, a taxa real é de cerca de 18 por cento, ou 48 milhões de pessoas. A pobreza nos EUA é mais disseminada, de longe, do que em qualquer outro país industrializado", disse.
A pobreza é um problema universal, como a desigualdade. As 500 pessoas mais ricas do planeta, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), possuem uma renda igual à recebida pelos 416 milhões mais pobres.
As cenas de pobreza mostradas depois do furacão Katrina causaram um impacto tão grande devido à imagem de que os EUA são uma terra de riquezas e de oportunidades ilimitadas.
Nenhum país gasta tanto dinheiro -- bilhões de dólares -- para manter longe estrangeiros sedentos por trabalhar ali. Nenhum outro país possui uma loteria anual na qual milhões de pessoas jogam para tentar ganhar um dos 50 mil vistos de residência permanentes (os "green cards"). Nenhum outro país possui tantos imigrantes legais e ilegais, todos atraídos por sonhos de prosperidade.
Para muitos norte-americanos, porém, eles continuam sendo isso exatamente: sonhos.
O salário mínimo, de 5,15 dólares por hora, não é suficiente para manter alguém acima da linha de pobreza. Ainda assim, empregos que pagam esse salário, que não oferecem seguro de saúde ou férias remuneradas, são os únicos disponíveis para milhões de pessoas que possuem apenas o ensino básico.
Os empregos com bons salários na indústria pesada e que no passado ajudaram a levar os operários norte-americanos para a classe média são, em grande medida, coisa do passado -- e a diminuição no número deles continua. Desde 2001, os EUA perderam mais de 2,7 milhões de postos nas indústrias.
Um outro presidente norte-americano, Ronald Reagan, morto em 2004, parece ter acertado ao dizer, em 1988: "O governo federal declarou guerra contra a pobreza, e a pobreza venceu."
http://br.news.yahoo.com//051005/5/y34h.html
http://www.midiaindependente.org/pt/blu ... 1589.shtml
Tuesday, October 03, 2006
A pobreza nos EUA
Quando se fala na pobreza nos EUA, é frequente contra-argumentar-se que os pobres norte-americanos seriam considerados "classe média" noutros países do mundo (li alguns textos, p.ex., do Rodrigo Adão Fonseca ou do Luis Pedro que me parecem ir nessa linha).
Se por outros países, nos estivermos a referir ao México, ao Haiti ou a Cuba, deve ser verdade; no entanto, se fizermos a comparação com a Europa (e essas polémicos sobre a pobreza costumam surgir em discussões sobre as virtudes comparadas dos "modelos" norte-americano e europeu), não sei se os "pobres" norte-americanos serão assim tão abonados.
Vamos fazer umas contas - nos EUA, uma familia de 4 pessoas é considerada "pobre" se tiver um rendimento global inferior a 20.000 dólares (refira-se que, para as estatísticas de "pobreza" nos censos, o que conta é o rendimento antes de impostos). O dolár vale cerca de 80 cêntimos de euro, o que pôe o nível de pobreza em 16.000 euros.
Agora, vamos comparar com os preços - o que eu ouço dizer de pessoas que vão aos EUA é que comprar comida na praça ou no supermercado custa o mesmo que em Portugal; ir ao café já é muito mais caro; e que a habitação pode ser muito mais cara, mas varia conforme as regiões (aliás, faz sentido que na habitação ou nos serviços haja diferenças de preço muito maiores entre os paises do que nos produtos que podem ser levados de um lado para outro).
Segundo a CIA, o PNB português avaliado pela taxa de cambio é de 170,3 mil milhões de dólares e avaliado em termos de "paridade de poder de compra" é de 204,4 mil milhões de dólares; ora, se, aos preços portugueses, 170 dólares permitem comprar o equivalente a 204 dólares, isso quer dizer que os preços em Portugal serão cerca de 83% de nos EUA; fazendo a conta ao contrário, podemos concluir que os preços nos EUA serão cerca de 20% mais altos que em Portugal.
Assim, a tal família de 4 pessoas com um rendimento de 16.000 euros corresponderá, a preços portugueses, a um rendimento de 13.330 euros. Assumindo uma familia em que marido e mulher trabalhem, teremos um rendimento mensal de 555 euros. Ora, 555 euros (sobretudo antes de impostos) não é o que, mesmo em Portugal, se considera um rendimento de "classe média" - será, quanto muito, um rendimento de classe média-baixa. Imagine-se agora comparado com os outros países da Europa
Mais uns pontos:
os norte-americanos, em média, têm menos férias, trabalham mais em "segundos empregos", etc. do que os europeus, logo, se tomarmos em atenção, não apenas o rendimento, mas o conjunto "rendimento + tempo livre", a superioridade económica norte-americana ainda mais discutível se torna
o "pobre europeu" típico (embora talvez não o português) é um desempregado, enquanto o norte-americano é um trabalhador com baixo salário (confesso que não tenho nenhuma estatística que me confirme isto; é apenas o que tenho lido aqui e alí...); sinceramente, não sei dizer qual das situações é a pior - numa análise puramente economicista, para o mesmo nível de rendimento, é "melhor" ser um desempregado a receber um subsidio do que um trabalhador mal pago; num entanto, numa prespectiva e auto-estima e realização pessoal, talvez ser um working poor seja melhor
contrariamente ao mito, a mobilidade social nos EUA é menor que em vários paises europeus
No entanto, é conveniente fazer umas ressalvas:
a pobreza nos EUA talvez seja um fenómeno regional, concentrado no Sul e nos Apalaches; ora, é possível que os preços nessas regiões sejam mais baixos do que no geral, o que deitará por terra o cálculo que eu estive a fazer há uns parágrafos atrás
a situação dos pobres nos EUA versus Europa costuma surgir no contexto dos debates "mercado livre" vs. "intervenção estatal"; mas há quem argumente que (nos EUA como noutros países) quer a pobreza de muitos pobres, quer a riqueza de muitos ricos, não terá nascido do "mercado" mas de intervenções estatais (presentes ou passadas)
posted by Miguel Madeira @ 5:37 PM
http://ventosueste.blogspot.com/2006/10 ... s-eua.html