#1007
Mensagem
por Tigershark » Sex Dez 07, 2007 11:43 am
07/12/2007
Prolifera o mercado negro de substâncias para fabricar "bombas sujas"
Ana Carbajosa
Na semana passada a polícia deteve três indivíduos que tentaram vender meio quilo de urânio em pó por 2.400 euros a grama na fronteira entre Hungria e Eslováquia. O pó radioativo poderia ser utilizado para fabricar uma das chamadas "bombas sujas", com baixo poder explosivo mas alto poder de contaminação. Trata-se de um fato isolado? De modo algum.
Os dados da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) falam em 252 casos em 2006 de material radioativo roubado ou desaparecido em mãos de pessoas não autorizadas. "E esta é só a ponta do iceberg", indica Abel González, do comitê da ONU para o efeito das radiações (Unscear). Ele e a própria agência se preocupam não só com os casos registrados, mas principalmente com os contrabandos não detectados. "Hoje há material radioativo que não está bem controlado circulando por muitos países", diz González.
Os avanços científicos nos programas nucleares de uso civil, unidos ao desmantelamento de armamento nuclear, fizeram disparar nos últimos 20 anos o uso e armazenamento desse tipo de materiais radioativos que, como dizem os especialistas, se não estiverem bem cuidados correm o risco de acabar nas mãos de contrabandistas e até de terroristas.
"A maior ameaça que enfrentamos é a possibilidade de que um grupo terrorista adquira material suficiente para construir um artefato nuclear explosivo. As conseqüências de uma detonação em uma área povoada seriam verdadeiramente catastróficas e teriam conseqüências imprevisíveis no futuro", afirmou recentemente Richard Hoskin, do escritório de Proteção Física e Segurança dos Materiais da AIEA, em uma conferência em Edimburgo. Segundo os cálculos de Hoskin, o número de furtos ou posse ilícita de materiais radioativos aumenta a cada ano, e entre 2002 e 2006 esse aumento ficou em 385%.
Mas ele esclarece que o aumento se deve em parte ao fato de os países, cada vez mais preocupados com o assunto, terem reforçado os controles, e portanto as apreensões. E além disso as comunicam à AIEA com maior regularidade. O número de países que participam da contagem também aumentou nos últimos anos.
Em todo caso, os dados que a AIEA compila anualmente permitem afirmar que há um mercado de material radioativo que os especialistas são incapazes de quantificar. Também não se sabe muito bem quem o compra, quem o vende e com que fins. Na maioria dos casos se sabe onde ocorrem os furtos porque as autoridades dão parte.
As fontes de material radioativo a que os criminosos recorrem são quase infinitas. Além das centrais e dos cemitérios nucleares, quase todo hospital armazena esse tipo de material. Na indústria abundam as fontes radioativas utilizadas, por exemplo, para medir a espessura do petróleo ou para analisar a mobilidade dos sedimentos. A pesquisa e desenvolvimento também recorre a essas substâncias. Identificar o percurso que os materiais seguem depois de roubados é, no entanto, muito mais complicado. Especialistas e publicações citam a antiga União Soviética como uma das principais fontes de materiais radioativos. Sua elevada presença naquele território e o descontrole após o colapso do sistema soviético permitiram que criminosos tivessem acesso a esses materiais.
Parte deles apareceu anos depois em países como Geórgia ou Cazaquistão. González, ex-diretor de segurança radiológica da AIEA, adverte no entanto que não se devem atribuir todos os problemas aos russos. "Nos EUA o controle interno foi catastrófico até o 11 de Setembro (de 2001), em parte porque cada Estado tem suas atribuições e isso complica muito as coisas."
Muitos incidentes de furtos e desaparecimentos se referem a pequenas quantidades de materiais radioativos. Mas os especialistas afirmam que mesmo assim, como demonstrou o caso Litvinenko -o ex-espião russo que morreu em Londres envenenado com polônio radioativo há um ano-, uma dose muito pequena pode causar um grande alarme e pôr um país de pernas para o ar.
Além disso, a AIEA adverte sobre o perigo de que os terroristas juntem pequenas quantidades que desapareceram em diversos lugares até alcançar o que chama de quantidades "altamente perigosas". Que os criminosos consigam volumes desses materiais que andam soltos por aí é um tema que preocupa, e muito, as autoridades européias, conscientes de que o poder de contaminação e destruição dos artefatos nucleares transforma o tráfico em uma importante ameaça.
"Levamos esse assunto muito a sério", indica Annalisa Giannella, representante na União Européia de Javier Solana para a não-proliferação de armas de destruição em massa. "Existe um risco real de que esses roubos sejam cometidos por criminosos, não para fazer uma bomba como a de Hiroshima, mas para fazer uma bomba suja que pode matar muita gente e contaminar muito mais. A ameaça terrorista cresceu e agora prestamos muito mais atenção nesses casos, é claro."
A ameaça terrorista cresceu, mas também mudou. Os cientistas nucleares minimizavam até poucos anos atrás o risco de ataques, porque por sua própria natureza também implicam a morte por contaminação do criminoso, algo então quase impensável. Essas hipóteses ficaram obsoletas. Hoje a presença de milhares de potenciais suicidas dispostos a morrer por uma causa fez aumentar em grande medida o risco desse tipo de ataque radioativo menor.
Para ilustrar a preocupação dos países da UE sobre os furtos e desaparecimentos de material radioativo, Giannella explica que há três anos a União é o maior contribuinte do fundo que a AIEA dedica ao controle físico e de acesso às centrais nucleares e outras fontes de materiais radioativos. Outra prova da preocupação européia são as conclusões do conselho de ministros do Interior da UE aprovadas ontem em Bruxelas. Os representantes dos países dedicam parte do documento à estratégia de combate a ataques químicos, biológicos, radiológicos e nucleares, que no jargão comunitário são conhecidos como CBRN.
Em suas conclusões, os ministros da UE se concentram sobretudo na reação a esse tipo de ataque. Planejam melhorar a coordenação entre os diversos países membros para que, caso ocorra um ataque do gênero, o alerta se propague imediatamente pelos países vizinhos. Também destacam a necessidade de evitar que "os terroristas possam obter no futuro, direta ou indiretamente, materiais CBRN", sem citar medidas concretas. "Temos de estar preparados para avaliar a ameaça e reagir em caso de ataque", indica Gilles de Kerchove, o novo coordenador antiterrorista da UE. Ele também explica que os 27 realizaram várias simulações para saber como reagiriam em caso de um ataque com substâncias contaminantes.
De uma análise detalhada dos dados da AIEA se deduz que 62% dos incidentes se relacionam à falta de controle e não a fins criminosos. Mas os descuidos podem ser tão letais ou mais que os ataques, como demonstrou o caso de Goiânia, no Brasil, que em 1987 expôs à radiação 250 pessoas, segundo os números mais conservadores, e custou a vida de outras quatro.
Naquela ocasião não foi um terrorista, mas um catador de lixo quem entrou em um instituto radiológico abandonado e levou para casa um monte de ferro e pó fluorescente e o distribuiu entre várias pessoas, espalhando césio-137 por toda a cidade. Políticos e cientistas concordam que no mundo circulam importantes partidas de material radioativo sem controle; e também sobre o perigo que representam, tanto se caírem em mãos de terroristas quanto nas de criminosos menores.
O que podem fazer as autoridades para conter o descontrole nuclear? "Não basta treinar os agentes de fronteiras; os países têm de se responsabilizar por seu material radioativo", diz González. Como muitos outros conhecedores do assunto, o especialista pede uma convenção internacional em que os países signatários se comprometam a controlar seu material radioativo. E os que não cumprirem enfrentarão sanções.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Visite o site do El País