Mapinguari escreveu: ↑Seg Dez 03, 2007 1:45 am
Estágio para Caçadores no 1º BIS (Amv)
Na edição 84 de Segurança & Defesa, págs. 22-24, descrevemos alguns fatos históricos com relação ao emprego de Caçadores por vários exércitos do mundo, ao longo da História. Nesta edição apresentamos mais informações sobre o emprego desses combatentes especializados no Exército Brasileiro (EB) e detalhes sobre o Estágio para Caçadores, realizado em agosto de 2005, pelo 1º Batalhão de Infantaria de Selva (Aeromóvel).
Alexandre Fontoura
O 1º Batalhão de Infantaria de Selva (Aeromóvel), ou 1º BIS (Amv), em sua forma abreviada — conhecido como Batalhão Amazonas e sediado em Manaus há 90 anos — é uma unidade de elite do Exército Brasileiro. Parte da chamada Força de Ação Rápida (FAR) do EB, o 1º BIS (Amv) tem sob sua responsabilidade, além da formação do soldado combatente de selva, um Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva (NPOR), a condução de Estágios de Adaptação à Selva para militares deslocados de outras áreas do país para unidades sediadas na Amazônia, e o preparo de uma companhia de recrutas (além dos seus efetivos profissionais).
Trata-se de uma unidade militar profissional e altamente operacional. Uma medida desta operacionalidade pode ser dada pelo fato de que, em 2004 e 2005, o 1º BIS (Amv) foi a unidade de infantaria do EB com maior número de horas de vôo.
Entre as diversas missões do 1º BIS (Amv) está, desde o ano passado, a promoção do Estágio de Caçadores, com duração de duas semanas e com os objetivos de:
- habilitar os estagiários a exercerem a função de Caçador nas suas OM;
- difundir e padronizar o uso de armamentos e equipamento, assim como os conhecimentos técnicos e táticos específicos do Caçador; e
- motivar profissionalmente os militares na busca de sua qualificação no tocante aos conhecimentos específicos sobre o Caçador.
Como mencionamos no artigo citado na abertura desta matéria, até o final do Século XX o Exército Brasileiro não possuía Caçadores em suas unidades operacionais. Até 1998 havia somente notas de instrução sobre o atirador de emboscada, atirador de escol, tiro com luneta, etc, sem que houvesse previsão da dotação de Caçadores no Quadro de Cargos Previstos (QCP) das unidades.
Em busca de informações
Em 1998, o Estado-Maior do Exército despertou para o problema e introduziu este combatente especializado nos QCP dos Pelotões de Comando de todos os Batalhões de Infantaria.
Entretanto, como não havia àquela época nenhuma doutrina sobre o tema, nem qualquer tipo de documentação, o Estado-Maior do Exército (EME) incumbiu a Seção de Tiro da Academia Militar das Agulhas Negras (Sec Tir AMAN) do desenvolvimento de pesquisas a respeito do emprego do Caçador militar. Ainda em 1998, surge a primeira versão do CI 22-1 “O Caçador”, como uma espécie de “farol” ou direção geral num quadro de falta de doutrina.
A partir de meados do ano 2000, o Projeto Caçador começou a ser desenvolvido pela Seção de Tiro do Corpo de Cadetes da AMAN, em parceria com a Seção de Pesquisa da IMBEL/Itajubá. Este trabalho levou ao início da revisão do CI 22-1, desenvolvido pela Sec Tir AMAN, sob a coordenação do Cel Inf EM Mário Hecksher Neto, e que contou com a participação e colaboração dos seguintes militares: Cel Inf EM (Res) Athos Gabriel Lacerda de Carvalho (consultor)1, Maj QEMA Paulo Augusto Capetti Rodrigues Porto2, Maj Inf Fernando Cardoso Júnior, Cap Inf Gustavo Megale Hecksher, Cap Cav Túlio Endres da Silva Gomes, Cap Art Guilherme Guimarães Ferreira, Cap Inf Fernando Barcellos da Rosa, Cap Inf Leandro Ataido Acosta, Cap Cav Giovani Dalarosa Amaral, 1º Ten Inf Volney Vieira Melo, e 2o Sgt Inf Marcelo Alvarenga dos Santos.
Numa primeira etapa, essa equipe multidisciplinar foi buscar a informação onde ela já existia: com as unidades policiais de elite. Assim, foram promovidas visitas, palestras e reuniões objetivando a coleta de subsídios. É importante destacar, entretanto, que existem óbvias diferenças entre o emprego do sniper policial e do Caçador militar. Enquanto este é treinado visando atingir alvos a distâncias, em média, de 600-800 metros, o sniper policial é treinado para tiros com precisão “cirúrgica” a, em quase 100% dos casos, até 75 metros de distância. Um sniper policial pode, portanto, visar o chamado “T da morte”3 de um criminoso.
Como informamos em S&D nº 84, o Cap Art Guilherme Guimarães Ferreira foi enviado em 2002 aos Estados Unidos da América para fazer o curso de Sniper na United States Army Sniper School, em Fort Benning, Georgia. O capitão preparou-se diligentemente para cumprir a missão recebida, e o fez com brilhantismo. Levou inúmeros questionamentos sobre a formação e o emprego dos snipers, e trouxe respostas adequadas a todas elas, esclarecendo as dúvidas que preocupavam a equipe da Sec Tir AMAN. Os conhecimentos que adquiriu e compartilhou com os seus camaradas permitiram a execução, em dezembro de 2002, de um Estágio de Caçador, com avaliações de comprovado rendimento. Isto possibilitou a elaboração de uma proposta de revisão do CI 22-I que está em vias de ser enviado ao EME.
Os militares que fizeram parte da equipe da Sec Tir AMAN, bem como os que passaram pelos Estágios para Caçadores lá desenvolvidos, após suas transferências para diversas unidades do EB, passaram a atuar como irradiadores da doutrina do emprego do Caçador nas unidades de infantaria.
E foi assim que o primeiro Estágio de Caçadores do 1º BIS (Amv) foi realizado no primeiro semestre de 2005, somente para o pessoal interno da unidade, por iniciativa e sugestão dos Cap Inf Amilton Fernando Barbosa Moleta, Oficial de Operações, Cap Inf Edmar Loiri Cordeiro, Comandante de Companhia de Fuzileiros de Selva e o Cap Inf Fernando Barcellos da Rosa, Oficial de Inteligência do Batalhão, entusiasticamente apoiados pelo então comandante do 1º BIS (Amv), Cel Inf Ajax Porto Pinheiro.
Emprego tático do Caçador
Alguns observadores têm questionado a real utilidade do emprego de Caçadores pelo EB em uma área como a Região Amazônica. Para entender as possibilidades do uso deste combatente na região citada, é preciso lembrar quais as principais missões do Caçador militar.
Os Caçadores militares têm, tanto no EB como na maior parte dos exércitos que os empregam, uma missão principal e uma secundária. A missão principal é, obviamente, executar tiros precisos, a longa distância, contra alvos inimigos selecionados, sejam de oportunidade, sejam planejados. A missão secundária é a de buscar informes sobre o inimigo e sobre o andamento do combate, relatando-os ao escalão superior, o mais breve possível.
No cumprimento da missão principal o Caçador deverá eliminar ou neutralizar:
- os oficiais, os “comandantes”, de todos os níveis;
- os guias e rastreadores inimigos e seus cães;
- os atiradores de armas coletivas e o pessoal de Comunicações (rádio-operadores e outros) inimigo;
- os chefes e motoristas de blindados inimigos;
- os pilotos de helicópteros inimigos, pousados ou em vôo pairado;
- os observadores avançados;
- os Caçadores (snipers) inimigos; e
- na ausência dos alvos acima, eliminará ou neutralizará qualquer elemento hostil.
Caso disponha de equipamento adequado (fuzil .50, luneta e munição), poderá destruir ou danificar viaturas, aeronaves de asa fixa ou rotativa, radares, material de comunicações e outros equipamentos.
Note-se que os alvos acima listados são selecionados por sua importância em determinado momento do combate, caracterizando pessoal e material de difícil substituição. O Caçador poderá, ainda, engajar esses alvos também à noite, desde que disponha de equipamento apropriado de visão noturna.
Já ao cumprir sua missão secundária, o Caçador empregará sua capacidade de infiltrar-se em área ocupada pelo inimigo, para nela permanecer sem ser visto. Deste modo, o Caçador poderá monitorar regiões de interesse para a inteligência (RIPI), realizar reconhecimentos de pontos ou de pequenas áreas e vigiar um setor, uma via de acesso, ou um eixo. Para esse fim, a equipe de Caçadores será lançada a uma distância que permita a comunicação via rádio com a Unidade, de modo que possa relatar suas observações em tempo útil.
A simples descrição das missões principal e secundária do Caçador militar permite vislumbrar amplas possibilidades de emprego deste tipo de combatente em uma área como a região Amazônica.
O Estágio
Segurança & Defesa teve a oportunidade de acompanhar o segundo Estágio de Caçadores do 1º BIS (Amv), realizado entre os dias 15 e 26 de agosto de 2005, nas instalações da OM no bairro de São Jorge, em Manaus. Julgamos necessário esclarecer que a diferença entre Estágio e Curso, no jargão do EB, refere-se, entre outras coisas, à duração dos mesmos.
Ao contrário do primeiro Estágio, o segundo foi aberto à participação de turmas de Caçadores de outras unidades do EB da Região Amazônica, de outras Forças Armadas, da Polícia Militar e da Polícia Civil do Estado do Amazonas (COE-PM e Grupo Fera, respectivamente).
Um total de 20 estagiários tomou parte no segundo Estágio, cumprindo um total de 160 horas de instrução, abrangendo as partes teórica e prática, incluindo construção de abrigos do Caçador, seleção de materiais de camuflagem para a confecção da roupa de camuflagem (Ghillie Suit), avaliação de distâncias, balística e técnicas de tiro, busca e seleção de alvos, caderneta do Caçador, documentos de tiro, emprego do Caçador no combate em localidade, emprego tático dos Caçadores, exercícios no terreno, pedido e condução de fogo de artilharia, rastreamento, prática de tiro, tiro com Óculos de Visão Noturna (OVN) e Luneta de Visão Noturna (LVN), tiro em alvos móveis (incluindo embarcações), tiro em posições alternativas, sistema de armamento do Caçador, histórico e seleção de Caçadores, emprego de meios de comunicação, operações contra-Caçador, lunetas, jogos de memória, e outros.
Muitos podem estranhar a presença, na grade curricular do Estágio, de pontos como os Jogos de Memória. Entretanto, de acordo com o Cap Inf Barcellos, eles são fundamentais para o aprimoramento das capacidades cognitivas do Caçador — essenciais, por exemplo, numa situação em que, durante uma missão de reconhecimento, ele veja uma coluna de veículos inimigos dirigindo-se para a área onde se encontram as forças amigas. A correta descrição da quantidade e dos tipos de veículos que compõem a coluna será, com certeza, uma informação de crucial importância para a Seção de Informações do Batalhão.
A “Caçada”
Muitas das técnicas relacionadas acima e desenvolvidas no Estágio envolvem certa dose de sigilo e, por este motivo, não nos aprofundaremos em sua descrição. Entretanto, descreveremos a seguir a operação que se constitui no coroamento de toda a instrução teórica e prática do Estágio de Caçadores do 1º BIS (Amv), e o momento mais esperado pelos estagiários: a Caçada. A Caçada nada mais é do que uma prova prática, em terreno apropriado, onde os estagiários aplicam tudo o que aprenderam na sala de aula e no stand de tiro.
No dia da Caçada, nos deslocamos, de caminhão, juntamente com os oficiais instrutores (Capitães Cordeiro e Acosta), os 20 estagiários e dois sargentos, para a área de instrução, na região periférica conhecida por Tarumã, na Zona Norte de Manaus, onde existem alguns loteamentos imobiliários e muitas áreas abertas, com floresta nativa, com algumas vias não-pavimentadas.
Após cerca de 40 minutos de percurso até o local, o caminhão seguiu por uma estrada de terra e deixou os estagiários à margem da mesma, ao lado de uma área arborizada onde, no lado oposto, existe um campo aberto com alguma vegetação mais rasteira, desmatado há alguns meses para construção de um empreendimento imobiliário. Em seguida, o motorista levou as demais pessoas até o outro lado, onde estacionou, com a traseira da viatura voltada para o campo aberto.
Enquanto os 20 estagiários preparavam-se para o exercício, camuflando seus rostos com tinta e aplicando folhagens do local às suas roupas Ghillie, cada um dos dois sargentos muniu-se de uma bandeira, dirigindo-se em seguida ao campo e aguardando o início do exercício.
Acosta e Cordeiro nos explicaram a metodologia a ser aplicada à Caçada: os Caçadores em avaliação se deslocariam pela área coberta por vegetação, progredindo no terreno até ocuparem sua posição de tiro. Os dois oficiais, sentados em cadeiras atrás de uma mesa na carroceria do caminhão, voltada para a área de onde viriam os Caçadores, seriam os alvos, identificados pelos Caçadores por meio de determinados códigos, previamente acertados.
Assim que obtivessem condições para o tiro (usando munição de festim), deveriam executá-lo, e o sargento com a bandeira que estivesse mais próximo deveria levantá-la, caminhar na direção do atirador até um determinado raio próximo ao mesmo, mas sem revelar sua posição aos oficiais.
O oficial que foi “atingido”, munido de binóculo e já sabendo que o atirador encontra-se nas proximidades do sargento com a bandeira, passa a procurá-lo, enquanto solicita do sargento que indague ao atirador qual o “alvo” atingido. Por meio de uma sinalização apropriada, o atirador confirma ou não que realmente atingiu o oficial-alvo. Se a identificação do alvo for positiva, o oficial autoriza um segundo tiro, enquanto continua a busca do atirador por binóculo.
Ao ver qualquer coisa suspeita, ou se visualizar o clarão ou fumaça do disparo, o oficial-alvo passa a direcionar por rádio o sargento porta-bandeira até o que ele pensa ser o atirador.
Se a identificação for positiva, aquele Caçador está desclassificado na prova. Se a resposta for negativa, o sargento com a bandeira retorna à sua posição inicial e o exercício prossegue. Durante o período da Caçada que acompanhamos, que durou quase toda a tarde, a área percorrida pelos Caçadores em meio à vegetação era de menos de 100 metros, o que demonstra que a paciência e arte da dissimulação caminham de mãos dadas na atividade do Caçador militar.
O resultado do exercício foi, para nós, surpreendente, pois não conseguimos, de modo algum, identificar o local de origem dos tiros, a não ser já no fim da tarde e após uma forte chuva, quando o escurecimento do ambiente aumentou o contraste com o mato ao fundo e nos permitiu enxergar a fumaça dos disparos de dois dos estagiários. O “debriefing” do exercício, após o mesmo, permitiu que os capitães Cordeiro e Acosta pudessem passar aos estagiários suas avaliações de desempenho.
Conclusão
Durante nossas entrevistas com os oficiais envolvidos no Estágio de Caçadores do 1º BIS pudemos fazer diversas perguntas e levantar questões. Foram eliminadas de nossas mentes quaisquer dúvidas que pudéssemos ainda ter a respeito da validade do emprego de Caçadores no Exército Brasileiro e, em especial, na Região Amazônica.
É óbvio que a falta de verbas prejudica sobremaneira a capacitação de nossos combatentes.
Ela se reflete, por exemplo, na ausência de padronização dos armamentos e em sua inadequação, uma vez que os estagiários usaram armas padrão de infantaria, como o próprio FAL 7,62mm (equipado com luneta) no caso de militares do 1º BIS e de outras unidades do EB, do SIG 551 de 5,56mm no caso da dupla do BInFA da Base Aérea de Manaus (que, independente do calibre diferente e da luneta inadequada, conseguia acertar os alvos a distâncias de até 400m) e do M16A2 de 5,56mm da dupla do Batalhão de Operações Ribeirinhas (FN) da Marinha. Aguarda-se para breve a chegada de um lote de fuzis Imbel .308 AGLC, próprios para o tiro de caçador, o que melhorará sensivelmente a instrução. No estágio que acompanhamos, somente a dupla de caçadores do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) usou um fuzil próprio para o tiro de caçador, na forma de um dos protótipos do fuzil AGLC.
Mas a falta do equipamento ideal não foi motivo para desanimar nem o Comando do 1º BIS, nem o coordenador do Estágio, Cap Inf Barcellos.
“Não podemos ficar esperando que as coisas aconteçam e nos lamentando da falta de recursos. Os Estágios estão servindo como um pólo irradiador da doutrina do emprego tático de Caçadores no Exército e para a disseminação de importantes técnicas e táticas entre membros de diferentes Forças Armadas e instituições policiais. Em caso de necessidade, esses Caçadores poderão trabalhar em conjunto, seguindo os mesmos procedimentos, sem problemas”, informou Barcellos. Acrescentou ainda que tem certeza que o trabalho que viu nascer na Sec Tir AMAN, quando fez parte da equipe que desenvolveu as primeiras linhas da doutrina de emprego de Caçadores no EB, será coroado com brilhantismo e eficiência por parte da Brigada de Operações Especiais que, desde o início deste ano, é a responsável pelo desenvolvimento desta doutrina no Exército Brasileiro.
Agradecimentos
O autor gostaria de apresentar seus mais sinceros agradecimentos a todos os militares que tornaram possível a realização deste trabalho, como o Cel Inf Ajax Porto Pinheiro, ex-comandante do 1º BIS (Amv), o Ten Cel Inf Alfredo José Dias, atual comandante do 1º BIS (Amv), Cap Inf Acosta, Cap Inf Cordeiro e, em especial, ao Cap Inf Barcellos, por sua vibração e profissionalismo, respondendo a todas as nossas perguntas, mesmo as mais simples, com simpatia e paciência infinitas. A todos eles, nosso respeito e admiração pela difícil missão a que dedicaram suas vidas. SELVA!
Notas:
1 O Cel Inf Athos Gabriel Lacerda de Carvalho foi o responsável pela criação do Fuzil Sniper .308 da Imbel, que tem a sigla AGLC, em sua homenagem.
2 Engenheiro de armamento da IMBEL.
3 Área do rosto compreendida entre o arco dos olhos e a base do nariz, formando um “T” imaginário. Um tiro nesta região resulta em morte instantânea, sem reflexos motores, e é muito executado por snipers em situações policiais que envolvem reféns mantidos sob mira de armas.