Pobres e desarmadas
Exército, Marinha e Aeronáutica enfrentam um grande desafio neste século 21: se o país mantiver atual modelo, com efetivo numeroso e pouco investimento tecnológico, a máquina de guerra brasileira entrará em colapso
Leonel Rocha
Da Equipe do Correio
Nas próximas semanas, o Congresso Nacional vai votar a lei do Orçamento Geral da União. E nela o dinheiro que o governo poderá gastar com as Forças Armadas em 2008. O Legislativo dirá que tipo de política deseja para a defesa nacional. Se mantiver o atual modelo, o país gastará mais de 80% dos R$ 44,3 bilhões de orçamento total previsto com pessoal e encargos. Os congressistas poderão, entretanto, reduzir o efetivo e redirecionar os recursos para a modernização da tecnologia de defesa.
O orçamento ideal somente para custeio, modernização e reaparelhamento da atual máquina de guerra brasileira, proposto pelos comandantes, era de R$ 14,6 bilhões. Mas o projeto de lei orçamentária encaminhada pelo governo resultou num corte de quase 50% (veja quadro). “Não temos as Forças Armadas à altura do que representa o Brasil no mundo”, observa o coronel da reserva do Exército, Geraldo Cavangnari, professor do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade de Campinas (Unicamp).
No atual modelo, que conta com grande efetivo de pessoal e pouca atuação interligada entre as forças, o poder de fogo e de dissuasão da defesa nacional é baixo. A Força Aérea Brasileira (FAB), por exemplo, só tem capacidade para colocar em operação, hoje, 37% do seu poderio bélico. Com o agravante de que 80% dos aviões de caça e de reconhecimento, radares e outras armas antes sofisticadas têm mais de 15 anos de uso. No caso da Marinha, dos 21 navios de combate, apenas 10 estão em operação. E somente dois dos cinco submarinos podem estar de prontidão. Todos os equipamentos da esquadra brasileira, que é a espinha dorsal do poder naval, operam com restrições. No Exército, a maior e mais sucateada das Forças Armadas, os cinco grupos e nove baterias antiaéreas do país só têm condições de abater caças inimigos no velho estilo manual sem mira ou disparadores eletrônicos, emperrados por falta de peças do computador instalado.
Professor da National Security Alfairs, no Centro Hemisférico de Estudos de Defesa da Universidade dos Estados Unidos, o capitão de mar-e-guerra reformado Salvador Raza calcula a necessidade de orçamento para a estrutura militar brasileira: R$ 73,5 bilhões. Quase 67% a mais do que a proposta financeira encaminhada pelo governo Lula. Raza é coordenador do curso de Relações Internacionais da Facamp, em Campinas. Ele sugere a redução drástica no efetivo fardado, com a realocação dos recursos da folha de pagamento para a formação intelectual da tropa e em modernização tecnológica. E alerta: qualquer aumento no orçamento só deve ser feito depois da definição, pelo Congresso, do novo modelo de defesa nacional.
Critérios
Raza sugere que, para definir a remodelagem das Forças Armadas, o Congresso deve exigir respostas a elaborar quatro perguntas aos comandantes: 1) que capacidades de armamento o orçamento militar está comprando hoje; 2) como assegurar a qualidade de formação com o gasto de pessoal, evitando que se mantenha como a principal despesa; 3) quais mecanismos de eficácia o Congresso pode assegurar para a gestão militar; e 4) quais as macro-premissas do novo modelo e as condições de atualização permanente. “O país vem jogando dinheiro fora com o atual modelo e está montando uma bomba que poderá explodir em 10 anos, quando estaremos ainda mais obsoletos”, alerta o oficial da reserva.
Especialista de renome internacional, Raza foi convidado no ano passado para, junto com outros 60 experts de reputação mundial, discutir a elaboração do modelo tecnológico e de economia de defesa das forças armadas indianas e a integração com os militares chineses. “O nosso modelo é obsoleto, com duas gerações atrás até dos nossos vizinhos da América do Sul”, destaca.
Levantamento feito pela organização não-governamental Contas Abertas, que faz análises dos orçamentos públicos, mostra que os programas mais estratégicos para cada uma das forças não são inteiramente executados pelo governo Lula. O Calha Norte, por exemplo, que tem participação das três armas na proteção de faixa de fronteira de 100km no extremo Norte do Brasil, teve apenas 6,7% de todo o orçamento proposto — de R$ 191,5 milhões — executado no ano passado. Nos primeiros oito meses deste ano, pouco mais de meio por cento dos recursos do Calha Norte foram liberados pelo Ministério do Planejamento. O Proantar, o programa antártico que a Marinha brasileira desenvolve, recebeu R$ 12,9 milhões. É pouco mais da metade do previsto na lei orçamentária.
A liberação de apenas 21,7% do Programa Desenvolvimento de Infra-estrutura Aeroportuária explica, em parte, a crise aérea. Outro ponto vulnerável na defesa, apesar do esforço dos militares, é a Amazônia. Em caso de invasão da região, hipótese hoje considerada absurda apesar de estudada formalmente pelas Forças Armadas, o Brasil não teria condições de defendê-la. “Se houvesse uma situação dessas, seria um desastre porque não conseguiríamos chegar ao local com a esquadra nem de forma eficiente com os armamentos das outras forças”, alerta Salvador Raza.
“O país vem jogando dinheiro fora com o atual modelo e está montando uma bomba que poderá explodir em 10 anos, quando estaremos ainda mais obsoletos”
Salvador Raza, capitão de mar-e-guerra reformado e especialista em estratégia militar