Coisas da Política: O Brasil e seus soldados
Mauro Santayana
Anuncia-se, com atraso de anos, modesto aumento nos recursos destinados às Forças Armadas. É paradoxal que essa decisão resulte de uma crise interna, a da deterioração do transporte aéreo civil, exposta em dois acidentes trágicos. Em ambos se evidenciou a falta de controle efetivo, por parte do Estado, do sistema. E não é preciso ir longe para verificar que, se, em um de seus aspectos, o estado geral dos aeroportos e a fiscalização das empresas, a falha foi de gestão dos recursos existentes, em outro, o do controle do tráfego aéreo, se tratou de falta de verbas correspondentes. Os controladores ganham pouco, são sobrecarregados de trabalho, têm preparação inadequada e a tecnologia não se encontra atualizada. De qualquer forma, a crise na administração de um serviço civil abriu caminho para que o governo repensasse a importância das Forças Armadas.
Nossas fronteiras estão abertas a qualquer aventureiro que surja no horizonte, por mais bravura tenhamos. Não dispomos de equipamentos eficientes, o armamento está ultrapassado, os contingentes reduzidos, e os nossos oficiais e soldados passam por difícil fase histórica. Durante os governos autoritários, as Forças Armadas se descuidaram da missão principal, de defesa do território, confiadas na doutrina das fronteiras ideológicas e empenhadas na modernização da infra-estrutura e na manutenção do regime ditatorial, contestado desde seu início pela consciência democrática.
Esgotado o modelo de crescimento, e reduzidas as tensões internacionais, ampliou-se a reivindicação nacional pela restauração do estado de direito. Com a transição, houve certo distanciamento entre o corpo político e os setores militares. Isso trouxe aos meios armados certo vazio existencial, que deveria ter sido ocupado no cumprimento de missões relevantes. Essa circunstância, aliada à difícil situação orçamentária do Brasil durante o governo Sarney, prejudicou a reaproximação necessária entre a sociedade e seus corpos armados. Essa circunstância favoreceu a abertura irresponsável do Brasil aos aventureiros internacionais, que adquiriram ativos do Estado por preços vergonhosos - durante o governo Collor e o governo passado.
As empresas estatais, em sua maioria, haviam-se desenvolvido de maneira exponencial, durante os governos militares, que agiram, no que tange à economia, com postura claramente nacionalista. Coube ao atual governo agir de outra forma, procurando atender a algumas das reivindicações mais prementes dos militares, entre elas as do custeio da manutenção dos contingentes aos quais se entrega a guarda de nossas fronteiras meridionais e setentrionais.
O anunciado aumento dos recursos destinados aos militares é, no entanto, pífio, diante das necessidades do país. Discute-se, agora, a prorrogação da CPMF. Se cada um dos cidadãos brasileiros meditasse os riscos que estamos correndo, diante de uma situação internacional fluida, com a exacerbação belicista dos Estados Unidos, estaria reivindicando tributação extraordinária também para a defesa, a ser conduzida com mais ação efetiva e menos bravatas. Noticiam os jornais que empresários do agronegócio, que se enriqueceram com o neoliberalismo, querem perdão de parte de dezenas de bilhões em dívidas acumuladas. Parte do que devem daria para dar outra dimensão à defesa do país, com o fortalecimento de nossa presença nas fronteiras do Norte e do Oeste.
Como advertiu o romano Tácito, há 19 séculos, não há paz sem que haja exércitos, exércitos sem que haja recursos, recursos sem que haja impostos.