Diamantes de sangue na mira do terror
EUA suspeitam que contrabando de pedras da Venezuela e da África esteja sustentando atividades da al-Qaeda
José Meirelles Passos
WASHINGTON. Há dois anos e meio o governo da Venezuela vem se negando a informar os registros de sua produção e exportação de diamantes. E o motivo, segundo recentes investigações internacionais, é claro: 100% de sua produção vêm sendo contrabandeados, e ela tem saído através do Brasil, basicamente via Roraima. O fato chamou a atenção tanto do FBI, a polícia federal dos EUA, quanto do Departamento do Tesouro americano, que nos últimos meses intensificaram a monitoração das movimentações financeiras da al-Qaeda, o grupo terrorista de Osama bin Laden. Teme-se que parte dos diamantes venezuelanos esteja sendo utilizada junto com os da África para sustentar atividades do terror.
- Recentes informes de inteligência indicaram que a al-Qaeda vem se reestruturando, e há indícios de que tenha voltado a operar no mercado negro de diamantes. Transferências eletrônicas de dinheiro vêm sendo monitoradas por nós há anos, dificultando as transações financeiras de terroristas. Isso justificaria o renovado interesse no contrabando de diamantes, muito mais difícil de coibir - disse ao GLOBO um investigador.
Comércio movimenta US$60 bi por ano no varejo
Washington procura manter em sigilo suas operações no submundo dos chamados "diamantes de sangue". Apesar disso, na lista de terroristas mais procurados pelo FBI há três do grupo de Bin Laden acusados de contrabando de diamantes, com US$5 milhões de prêmio pela cabeça de cada um.
O sinal de alerta sobre a Venezuela foi dado pela Parceria África-Canadá (PAC), entidade formada pela Agência de Desenvolvimento Internacional do Canadá e organizações governamentais desse país e da África, e que desde 1999 monitora o mercado de diamantes. Trata-se de um produto que gera comércio anual de US$ 60 bilhões no varejo. Os negociantes oficiais do setor, preocupados em garantir que lidam com material adquirido honestamente, costumam afirmar que apenas 1% dos diamantes na praça seria ilegal.
- Ainda assim, isso significaria US$600 milhões nas mãos de criminosos, e uma parcela disso em mãos de terroristas. Considerando que Bin Laden gastou menos de US$500 mil no 11 de Setembro, trata-se de uma fortuna perigosíssima - disse o agente americano, lembrando que os ataques e cerca de US$20 milhões utilizados por Bin Laden em campos de treinamento e armas foram financiados com a venda de diamantes.
Controle não é tão eficaz como parece, adverte entidade
Segundo Charles Intriago, presidente da Alert Global Media Inc., de Miami, especializada em monitorar lavagem de dinheiro, a al-Qaeda comprou de US$30 milhões a US$50 milhões em diamantes em Serra Leoa de janeiro a setembro de 2001.
- Nem todos os diamantes foram revendidos imediatamente, e tudo indica que alguns ainda continuam em mãos da al-Qaeda - disse Intriago.
A quantidade de diamantes vendidos no mercado negro pode ser maior do que se admite. Segundo a PAC, nos anos 90 nada menos do que 20% das pedras preciosas eram utilizadas de forma ilícita para lavagem de dinheiro, evasão de divisas, compra de drogas, de armas, e outras mercadorias. Com a entrada em vigor do Processo Kimberley (PK, um acordo entre 70 países para emitir certificados de origem de diamantes) em janeiro de 2003, o índice teria decrescido bastante. No entanto, nos últimos 12 meses foram descobertas violações desse tratado, além de emissões de documentos falsos.
"O KP é consideravelmente menos eficaz do que o propagado, e muitos de seus membros podem ser cúmplices no mercado ilegal", diz o mais recente boletim da PAC, informando que só em Serra Leoa entre 10% e 25% dos diamantes produzidos foram contrabandeados em 2006.
O próprio Conselho Mundial de Diamantes, que reúne as grandes empresas do setor, admite que muitos negociantes em Índia, Itália e China não exigem certificados de origem de quem lhes oferece as pedras. Diz-se, no meio, que é um ponto de honra entre compradores não perguntar sobre a origem das pedras.
Segundo a PAC, os depósitos de diamantes da Venezuela estão no estado de Bolívar, que faz fronteira com a Guiana e o Brasil. No início de 2005, o presidente Hugo Chávez pôs o estado sob lei marcial e, desde então, o Exército passou a controlar as fronteiras. Além disso, ele decretou que os mineradores devem se filiar a cooperativas. Esse aparente controle, no entanto, significou exatamente o contrário, pois a Venezuela deixou de informar sobre a sua produção e vendas - dando margem a suspeitas de que Caracas estaria negociando os diamantes no mercado negro. Uma investigação da PAC, porém, descobriu que a maior parte da produção sai por baixo dos panos, enganando o governo.
Guiana estaria "lavando" diamantes venezuelanos
"Mineradores e funcionários de cooperativas admitem abertamente que escondem do governo a maior parte de sua produção. Inspetores de minas venezuelanas calculam que apenas 10% ou menos da produção de diamantes do país é declarada", diz um trecho do informe mais recente do PAC, acrescentando que o resto dos diamantes vai para a Guiana via Roraima.
Não é à toa que a produção declarada de diamantes da Venezuela nos últimos dez anos tenha caído de 400 mil quilates anuais para meros 25 mil; e, ao mesmo tempo, coincidentemente, a produção da Guiana tenha subido de 50 mil para 400 mil quilates anuais. Ali, os diamantes são "lavados": emitem-se falsos certificados de origem e eles seguem geralmente para Hong Kong, Dubai e Antuérpia.