Parentes e amigos das vítimas da tragédia choram num protesto em Congonhas
Os passageiros do vôo 3054 cometeram vários crimes que justificam sua responsabilização sumária. O primeiro foi o de existir. Não satisfeitos, existiram em número expressivo: 187. Num flagrante desafio à ordem, compraram bilhetes sem perguntar se os reversos do avião estavam em ordem. Pior: aterrissaram em Congonhas, sob chuva, numa pista sem ranhuras. Finalmente, abandonando qualquer tipo de escrúpulo, tornaram-se vítimas. Um acinte.
Tenta-se agora, veja você, acomodar nos ombros do governo e da TAM a culpa pelos crimes dos passageiros. Coisa inaceitável. O Estado e a empresa têm do seu lado a lei. Estão protegidos pela “Lei de Murphy”. Todo mundo já ouviu falar da “Lei de Murphy”. Mas pouca gente conhece sua origem. Foi descrita nas páginas de ''A Vingança da Tecnologia'', livro do norte-americano Edward Tenner (Editora Campus). Informa o seguinte:
O capitão Edward Murphy, da Força Aérea dos EUA, acompanhava, com vivo interesse, os experimentos de seu chefe, o major John Paul Stapp. Cobaia de testes de resistência a grandes acelerações, Stapp desafiava a velocidade num trenó-foguete. Em 1949, bateu o recorde de aceleração. Mas não pôde comemorar o feito. Os acelerômetros do veículo não funcionaram.
Engenheiro, Murphy foi investigar o que dera errado. Descobriu que um técnico ligara os circuitos dos aparelhos ao contrário. E concluiu: ''Se há mais de uma forma de fazer um trabalho e uma dessas formas redundará em desastre, então alguém fará o trabalho desta forma''. Depois, em entrevista, o major Stapp referiu-se à frase do ajudante como ''Lei de Murphy''. Resumiu-a assim: ''Se alguma coisa pode dar errado, dará''. A ''Lei de Murphy'' foi injetada no folclore da tecnologia. Hoje, aplica-se a todas as situações. Inclusive ao infortúnio aéreo do Brasil.
Apresentado ao aerocaos dez meses atrás, o governo tinha duas formas de gerir a encrenca. A mais banal seria assumir a tarefa de governar, adotando providências. Preferiu a tortuosa alternativa de empurrar os problemas com a barriga. Em Congonhas, entregou tardiamente uma pista inacabada, sem ranhuras. Diz-se agora que o grooving, nome técnico das fendas que facilitam a drenagem da pista, não é essencial. Simultaneamente, informa-se que serão apressadas as obras de abertura das frinchas no asfalto. É Murphy levado às últimas conseqüências.
Três dias antes da tragédia, a TAM detectara um defeito no reverso da turbina direita de seu Airbus. De novo, havia dois caminhos. O banal: recolher o avião ao hangar e reparar a avaria. O tortuoso: barrigar o conserto, mantendo o avião nos ares. Optou-se pela barriga. Informa-se agora que o reverso não é lá tão relevante na operação de frenagem. Fica-se sem entender porque o fabricante perde tempo incorporando nos aviões uma geringonça de tamanha inutilidade. Só Murphy explica.
Como se vê, tudo está perfeitamente claro. Mas os parentes das vítimas cobram explicações adicionais. E exigem pressa. Uma evidência de que a índole criminosa é fenômeno genético. A pressão é adensada pelo ânimo acalorado de toda sociedade. Buscam-se nas caixas pretas do avião novas revelações. Novidades capazes de pôr em xeque as boas intenções –públicas e privadas—, as melhores frases (Marta “Relaxa e Goza” Suplicy) e os gestos mais espontâneos (Marco Aurélio “Top-top” Garcia). Esse ímpeto subversivo é um inaceitável desafio à lógica da Lei de Murphy.