Pistolas: emprego militar

Assuntos em discussão: Exército Brasileiro e exércitos estrangeiros, armamentos, equipamentos de exércitos em geral.

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Bravo Victor
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Pistolas: emprego militar

#1 Mensagem por Bravo Victor » Seg Jul 09, 2007 2:32 am

Escrevi minha opinião em resposta ao tópico Pistolas, mas acabou que o texto ficou muito grande, abrindo outras margens para debate. Resolvi postar em um tópico separado, até para não desvirtuar a outra discussão.

As pistolas Luger eram a epítome da alta tecnologia em 1908. Ficaram obsoletas em 1911, com a introdução da .45 auto, mas demorou um tempo para que esta entrasse em amplo uso. Mesmo assim os alemães não teriam a opção da .45 americana, e na 1ª Guerra eles utilizaram, além da Luger, a Mauser C96 cabo-de-vassoura, que tinha aquele funcionamento meio estranho, complicado como um relógio mecânico, à semelhança da Luger. Os ingleses utilizaram os revólveres Webley, armas duráveis que disparavam no calibre .455 Webley, projétil pesado de pouca velocidade. Quando entraram na guerra, os americanos trouxeram revólveres Colt e Smith&Wesson convertidos para o calibre .45. Os franceses produziram toneladas de pistolas em calibre .32acp, e ainda contrataram os espanhóis para produzirem mais. Se você quisesse uma pistola, a melhor opção era a dupla dinâmica John Browning e Colt. O Browning projetou uma pancada de pistolas, e a Colt fabricava. A primeira, a M-1900, foi produzida na Bélgica. O resto, as Colt .25, .32 e .380acp, rapidamente se tornaram um padrão mundial. Se um europeu não pudesse comprar uma Colt, poderia comprar uma cópia local, fabricada no país em que residisse.

No oriente, os chineses gostavam da C96, e até instalaram coronhas de ombro em muitas delas. Os japoneses entraram no século XX com uma coleção de revólveres S&W, e alguns designs originais de variados conceitos e utilizações.

Em raros casos essas armas seriam encontradas nas mãos de combatentes da linha de frente. Armas curtas eram coisa de oficial de alta patente, e serviam mais para demonstrar isso do que para real utilização em combate. Um general, para deixar claro que mandava no boteco, tinha uma pistola no coldre, coisa que os praças não tinham. Para esse propósito, até uma .22 curto serviria, mas isso não era “arma de homem”, então portavam pistolas de outros calibres. Até faz sentido, se pensarmos que não há necessidade de um general carregar um rifle para cima e para baixo. Para ele não ficar desarmado, lhe era acautelada uma pistola.

Desde aquele tempo, o uso de armas curtas em guerra era considerado restrito. O que nos trás aos dias de hoje, e à análise do uso da pistola nos conflitos modernos. Veremos que as coisas não mudaram tanto assim. Além da eficácia desse tipo de armamento, devemos levar em conta o custo do adestramento. De nada adianta armar os combatentes com pistolas, se estes não souberem utilizá-las. Para acertar, só praticando. O adestramento adequado, além de financeiramente dispendioso, traz também acidentes inevitáveis no treinamento em larga escala, coisa indesejável em quaisquer forças armadas.

Os recursos destinados à compra de pistolas (e adestramento para sua utilização) nas forças terrestres só podem ser despendidos em detrimento de outras áreas mais importantes. E isso é ainda mais válido para exércitos de parcos recursos, como o nosso.

A pistola é uma arma de defesa. Ela é compacta, leve, fácil de ocultar e de portar diariamente, e utiliza calibres marginais, cuja efetividade só pode ser considerada a curtas distâncias. Ao usar uma pistola para auto-defesa, o usuário deixa de lado os calibres decentes, e ganha em troca a praticidade e o reduzido tamanho da arma. Já o fuzil possibilita o uso de calibres “reais”. É armamento versátil, que pode ser utilizado eficientemente nas mais variadas distâncias e nas mais diversas situações. Entre elas destacam-se o combate a médias distâncias e a utilização de fogo supressivo, mas alguns modelos se prestam razoavelmente ao CQB também. Isso sem falar do tiro de precisão: alvejar o inimigo disparando de posição desconhecida, emboscando-o, sem oferecer qualquer possibilidade de defesa. O fuzil é uma arma de ataque por excelência.

Poderíamos dizer que a pistola seria uma arma secundária para o militar, para quando tudo o mais falhasse. O soldado quer a pistola, ué, para não ficar desarmado quando o fuzil der pau. A verdade é que o custo de adestramento e emprego não compensam em larga escala, pois em um contexto militar, a pistola não é nem arma terciária ou “quaternária”. Em qualquer exército moderno, as coisas devem começar com grandes projéteis explosivos. A arma primária para um militar pode ser o Mirage sendo abastecido ali na pista, ou o canhão de 20mm. Um militar pode usar rádio para contatar o controle aéreo e requisitar apoio. Ou talvez ele seja do controle aéreo. Até para os soldados da linha de frente, existem metralhadoras alimentadas por cinta, fuzis, granadas, lança-foguetes, VBC, e todos os outros combatentes com quem ele pode contar. Um combatente precisa estar muito, mas muito na merda mesmo para ter exaurido todas essas opções e precisar de uma pistola no coldre. O peso extra destinado à pistola seria melhor destinado a uma boa faca com uma pequena pedra de afiar embutida na bainha. O soldado passará mais tempo utilizando a faca do que a pistola.

Fugindo um pouco da nossa realidade, tomemos como exemplo as forças armadas americanas, que encontram-se atuando em conflito atualmente. Isso pode surpreender alguns, mas o exército americano, de recursos infinitamente superiores aos nossos, não fornece as Beretta M9 à maioria de suas unidades. Algumas estão, inclusive, proibidas de portar quaisquer armas curtas. Os motivos são os mesmos que expus acima.

Imaginemos um grupo de quatro soldados regulares americanos adentrando uma casa no Iraque. Carregam, entre eles, quatro M-4/M16, uma 870 12ga, 840 munições 5.56, estojos de manutenção de armamento, granadas de fumaça, granadas de fragmentação, granadas de fósforo branco, bastões de sinalização, pé-de-cabra, pás dobráveis, lâminas, coletes balísticos, capacetes balísticos, aparelho de rádio, camelbak, ração, estojo de primeiros socorros. Se a porta estiver difícil de arrombar, pode ser utilizada a 12, cordel detonante, ou as tais cargas “eight-ball” (1/8 de um bloco de C4). Os explosivos requerem fusíveis ou outros dispositivos de ignição. Há, é claro, um alto custo para treiná-los na correta utilização de todo esse equipamento. Para que carregá-los ainda mais com míseras pistolas, que passarão todo o tempo acumulando areia em um coldre flap-over em suas coxas? Isso sem falar no custo e nos acidentes resultantes do adestramento em larga escala. Eu poderia começar outro tópico só falando dos problemas encontrados pela minoria de soldados que portam a M9 no Iraque. E as famosas histórias da 1911 “salvando a pátria” americana em várias guerras são relativamente poucas se considerarmos o enorme número de combatentes.

Tudo isso para dizer que até em um exército experiente, de orçamento vasto, a pistola só é considerada adequada em situações muito específicas, como pilotos espremidos em cockpits apertados. Até blindados costumam ter um rack com M-4s para uso dos operadores.

Os calibres encontrados em armas curtas são anêmicos, e a precisão também só existe em distâncias curtíssimas. A grande verdade é que pistolas não fazem muita diferença em uma guerra.




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#2 Mensagem por scyther » Seg Jul 09, 2007 4:18 am

E se o M4 der double feed enquanto muitos insurgentes avançam em sua direção, percursor quebrar... Acredito que seja bom carregar uma arma de fogo secundária. Se a pistola é fraca, que carregue uma PDW então, mas confiar em uma só arma parece bem desconfortável.
Foi falado dos americanos no Iraque. Naquele combate porta-a-porta que enfrentam não há como chamar apoio aéreo para toda e qualquer situação. E há vários relatos de ficarem presos em uma posição sendo atacados, tendo inclusive o relato de um soldado da coalisão que salvou a si mesmo e a seus colegas, matando inimigos com uma faca, por que seu M4 estava "seco".
Abraços.




Bravo Victor
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#3 Mensagem por Bravo Victor » Seg Jul 09, 2007 5:08 am

Olá Scyther, bacana podemos discutir aqui no DB.

scyther escreveu:E se o M4 der double feed enquanto muitos insurgentes avançam em sua direção, percursor quebrar... Acredito que seja bom carregar uma arma de fogo secundária. Se a pistola é fraca, que carregue uma PDW então, mas confiar em uma só arma parece bem desconfortável.

Tentei considerar aspectos logísticos e até doutrinários, de maior amplitude do que uma ou outra situação indivídual. Eu tentei falar mais do processo de decisão de um comandante, ou administrador, em oferecer (ou não oferecer) pistolas a seus combatentes regulares.

Mas em concordância com o que você disse (e eu também), o soldado quer a pistola para quando o fuzil der pau. E pistolas são muito bacanas, bonitas. Custam quase o preço de um fuzil, mas aumentam a confiança do soldado. E existem combatentes que portam a pistola. Se esse nosso soldado hipotético estiver absolutamente sozinho, com uma pane no fuzil que ele não saiba ou não possa solucionar rapidamente, sozinho, impossibilitado de se reintegrar à tropa, absolutamente sozinho, impossibilitado de se esconder ou se evadir, sou obrigado a concordar que a pistola talvez lhe forneça mais alguns segundos de vida. Talvez a força a que pertence tenha gasto um bom dinheiro em adestramentos para capacitá-lo a atirar bem com a pistola. Talvez ele tenha se tornado um exímio atirador, e possa então utilizar os 15 cartuchos de calibre anêmico eficazmente, contra os fuzis, RPGs, artilharia do inimigo. Ou talvez seus inimigos estejam mal armados. Talvez ele possa se dar o luxo de esperar até que os inimigos cheguem a uma distância bem próxima. Talvez ele até consiga 15 disparos de 9mm na cabeça ou no coração, porque acertando no resto do corpo fica improvável colocar um homem imediatamente fora de combate, sem vários disparos em cada inimigo.

É difícil (muito difícil) a pistola fazer alguma diferença, mas quando faz, faz muita. Volto a afirmar que o não-uso da pistola (no ambiente militar) passa também por considerações orçamentárias, de adestramento e preço, além do seu pífio desempenho em relação ao resto do armamento.

scyther escreveu:Foi falado dos americanos no Iraque. Naquele combate porta-a-porta que enfrentam não há como chamar apoio aéreo para toda e qualquer situação.

Com certeza, mas não foi isso que eu disse. Ou pelo menos não foi isso que tentei dizer. A "arma primária" desse grupo não seria o apoio aéreo. O apoio a esses soldados específicos que citei não seria o apoio aéreo. E muitos não carregam pistolas. As razões são aquelas que citei no primeiro post.




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#4 Mensagem por scyther » Seg Jul 09, 2007 9:32 am

É, debate muito legal!
Quanto à potência da munição de pistola, não acredito que seja tão ineficiente. Um disparo no torso do inimigo faz ele pelo menos ficar mais impreciso e tentar se abrigar. Mas há muitos casos de inimigos que injetam adrenalina ou usam alguma droga, o que os faz resistir à tiros de fuzil, ae não adiante nem um nem outro mesmo, só atirando na cabeça.
E não falei somente do soldado sozinho e cercado, pois as vezes até mesmo uma ou duas dúzias de soldados podem ficar cercados e em situação difícil. Aconteceram muitos casos em Al Fallujah, e especificamente casos em que o soldado se valeu da pistola para combater. E o M4/M-16 tende a dar defeito em situações desérticas.
Economicamente é realmente complicado fornecer pistolas, visto que um M-16 custa $1100 USD, e uma HK USP custa uns $1200 USD, para uma arma que comporta 12 munições, dispara intermitentemente e é menos precisa. No caso brasileiro realmente concordo que é melhor investir mais em fuzis, mas que invistam em um que não deixe o soldado na mão, ainda mais sem pistola.
Mas deve ser uma beleza portar um HK416 e na perna uma MP7 ou uma USP.
Quanto às equipes de veículos, o conceito PDW os visa muito, já que um M4 dento de um veículo pode atrapalhar, e portar só pistola compromete o sujeito.




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