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Mensagem
por EDSON » Dom Jun 17, 2007 10:53 pm
14/06/2007
Os tentáculos da CIA - levando a 'Guerra contra o Terror' à África
Na semana passada, investigadores europeus criticaram os Estados Unidos pela forma como estão lidando com os suspeitos de terrorismo. Mas pouco parece ter mudado. Agora, a CIA se estabeleceu no Chifre da África
John Goetz, Marcel Rosenbach e Holger Stark
Quando a cidadã sueca Saafia Benaouda, 17 anos e grávida, partiu em dezembro para uma viagem com múltiplas paradas pela região do Golfo Pérsico com seu marido, Mounir Awad, 25 anos, eles esperavam por férias de Natal empolgantes. Mas não demorou muito para a aventura deles se transformar em um pesadelo. Após uma parada em Dubai, o casal decidiu fazer um desvio imprudente para a Somália - para uma rápida parada em um país dividido pela guerra civil. Na época da viagem deles, milícias muçulmanas fundamentalistas e grupos aliados ao instável governo provisório estavam envolvidos em combates pesados.
"Eu adoro viajar e queria conhecer outro país muçulmano", disse Saafia Benaouda, justificando seu itinerário incomum. Um grau substancial de ingenuidade parece ter tido um papel: Benaouda relatou que ela ficou sem ler jornal por "duas ou três semanas" enquanto estava em Dubai e também não checou outros meios de comunicação. Ela disse que não sabia nada sobre a situação instável na Somália e sobre os alertas oficiais para não viajar para lá.
Saafia não ficou impressionada com o país: "A Somália não era nada do que eu esperava. Eu não gostei de lá", disse a filha de um marroquino, cuja mãe se converteu ao Islã e dirige uma organização muçulmana na Suécia. "Eu acho que os somalis não gostam de pessoas brancas." Mas isto não foi o pior que aconteceu a ela em sua viagem à Somália.
Quando tropas etíopes entraram na Somália por volta do Ano Novo, ela fugiu para a fronteira do Quênia com seu marido. Foi lá que aconteceu: "Eu ouvi disparos por toda parte. Havia três soldados americanos com a bandeira americana em seu uniforme e 10 quenianos", recordou a jovem de 17 anos. Os homens aparentemente faziam parte da Polícia Antiterrorismo queniana, que é altamente financiada pelos Estados Unidos e faz parte da Iniciativa de Contraterrorismo no Leste da África patrocinada pelos americanos, no valor de US$ 100 milhões.
Em 27 de janeiro de 2007, Saafia foi levada para Mogadício, Somália, em um vôo da African Express Airlines (vôo número AXK527), juntamente com 84 outros "suspeitos de terrorismo", incluindo várias crianças.
Cidadãos americanos estavam presentes em cada uma destas paradas, disse Mounir Awad, o marido de Saafia, para a "Spiegel". "Quando pousamos, fomos imediatamente fotografados pelos americanos em trajes civis", contou ele, acrescentando que ele e outros eram continuamente insultados como "bastardos da Al Qaeda".
Falando com "Tim" e "Dennis"
No início de fevereiro, os guardas os levaram para a capital etíope de Adis Abeba. Toda manhã às 5h, todos os suspeitos de terrorismo eram recolhidos por um caminhão e levados para uma vila americana, segundo Mounir Awad. Lá eram interrogados por 12 horas ou mais. Um interrogador se dizia chamar "Tim" e alegava trabalhar para o FBI; outro se dizia chamar "Dennis" e trabalhava para a CIA.
Os cidadãos americanos colheram amostras de DNA e perguntaram sobre os muçulmanos suecos e as mesquitas, disse Awad, acrescentando que às vezes batiam ou sufocavam seus prisioneiros. Apenas aqueles dispostos a cooperar eram autorizados a sentar e recebiam algo para comer, segundo Awad. Enquanto isso, na Suécia, seus amigos e parentes eram interrogados pelo serviço de inteligência sueco, que também queria saber se ele era ou não um membro da Al Qaeda.
A história dos dois suecos não é um caso isolado: durante a confusão provocada pela entrada etíope na Somália, as tropas quenianas -auxiliadas pelas autoridades americanas- detiveram mais de 100 pessoas na área ao redor da fronteira entre a Somália e o Quênia, incluindo quatro cidadãos britânicos, um canadense e um americano de 24 anos. A vaga acusação feita contra os detidos era de que apoiavam a Al Qaeda.
200 agentes americanos em Adis Abeba
Segundo Saafia Benaouda, havia muitas crianças entre os detidos, incluindo um bebê de sete meses. Uma mulher em estado avançado de gravidez teria dado à luz enquanto estava detida na Etiópia. A CIA e o FBI atualmente contam com até 200 agentes em Adis Abeba, segundo Washington. A Reprieve, uma organização britânica de direitos humanos, escreveu em seu mais recente relatório sobre as prisões "ao estilo Guantánamo" no Chifre da África.
Os interrogatórios, realizados sem conhecimento da Cruz Vermelha, sem advogados e sem juízes, anunciam uma nova fase na "guerra contra o terror" do governo americano. A Etiópia é a aliada regional com relação mais estreita com os americanos na luta contra o terrorismo, e o governo Bush tem sido cuidadoso em recompensar o país. Ele foi recentemente equipado por Washington com armamento moderno para combater os muçulmanos fundamentalistas na Somália.
A existência de prisões secretas por muito tempo permaneceu não provada - até que o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, reconheceu no final do ano passado que a CIA capturou "potenciais assassinos em massa" em "campos de batalha ao redor do mundo" e os deteve em locais secretos, onde os suspeitos eram interrogados usando procedimentos que ele descreveu tanto como "duros" quanto "seguros, dentro da lei e necessários".
Como são tais procedimentos agora se tornou conhecido: eles incluem técnicas que variam de privação de sono a privação de oxigênio, de choques térmicos a uma forma de tortura chamada "waterboarding", que envolve a simulação da sensação de afogamento. Cerca de 100 prisioneiros foram detidos em tais campos, reconheceu John Bellinger, consultor legal do Departamento de Estado, no ano passado. Mas ele acrescentou que os últimos deles tinham sido transferidos para Guantánamo em outubro e que os campos estavam vazios desde então.
No final da semana passada, o investigador especial do Conselho da Europa, Dick Marty, revelou onde tais prisões secretas estavam localizadas: na Romênia e Polônia, onde cerca de uma dúzia de importantes suspeitos da Al Qaeda estavam detidos.
As acusações que Marty fez em seu relatório de 72 páginas são sérias. A CIA, ele escreveu, executou "toda uma série de atos ilegais", de seqüestro e detenção a "técnicas de interrogatório que representam tortura", segundo o relatório.
Marty baseia suas denúncias em fontes anônimas dentro de vários órgãos governamentais, agências de inteligência e na análise dos dados da movimentação dos aviões da CIA. O investigador descobriu em conversas conduzidas nos locais que a existência das prisões na Polônia e Romênia eram tratadas como segredo de Estado: em Bucareste, aparentemente, nem mesmo o primeiro-ministro sabia que a CIA mantinha uma prisão em miniatura no hangar do aeroporto Mihail Kogalniceanu, na costa do Mar Negro da Romênia.
Direitos irrestritos na Romênia
Segundo Marty, o governo assinou um acordo especial com os Estados Unidos que garantia à CIA direitos irrestritos na Romênia. O governo romeno rejeitou as acusações.
As evidências reunidas pelo investigador especial na Polônia são igualmente incriminatórias. Um jato Gulfstream da CIA pousou no aeroporto de Szymany, no norte do país, em 7 de março de 2003, às 16 horas. Três pessoas desceram do avião - uma delas parecia ser Khaled Sheikh Mohammed, um dos mentores dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Os interrogatórios dele ocorreram em um complexo da agência de inteligência chamado Stary Kirkuty, a 19 km de Szymany, segundo Marty. Ramzi Binalshibh, o contato dos pilotos suicidas associados a Mohammed Atta, também estaria detido lá.
Marty criticou a falta de cooperação do governo polonês com sua investigação. Em mais de 18 meses, o governo não lhe passou os dados dos vôos da CIA sobre a Polônia, ele disse.
'Apartheid legal'
O ex-advogado também é duro contra os Estados Unidos. O fato de cidadãos americanos não serem afetados por tais transferências de prisioneiros em qualquer momento é descrito por ele como uma espécie de "apartheid legal". A estratégia americana de nunca sobrevoar o território americano com estes prisioneiros revela o "desacato fundamental" dos Estados Unidos às normas legais na Europa, na visão de Marty. O investigador acredita que "tais ações sem dúvida seriam julgadas ilegais e inconstitucionais" nos Estados Unidos.
Marty também argumenta que é "inaceitável" Berlim ainda não ter esclarecido a natureza e extensão das atividades da CIA, acrescentando que o governo alemão apenas forneceu ao comitê parlamentar que está investigando o assunto uma informação incompleta sobre as atividades americanas na guerra contra o terror.
O governo Bush parece levar a sério as críticas internacionais ao programa secreto de rendições. E as autoridades do governo americano reconheceram ter interrogado os detidos na Etiópia, segundo a agência de notícias "The Associated Press". Mas - e o argumento é importante para o governo americano - os prisioneiros não foram detidos pelas autoridades americanas, mas pelo governo etíope. E o FBI, que está sujeito a controle judicial, participou nos interrogatórios juntamente com a CIA, segundo o governo americano.
Mas o estrago causado pelas prisões secretas, rendições e interrogatórios com tortura ainda é tremendo. O ex-chefe de gabinete de Colin Powell, Lawrence Wilkerson, estimou que o governo americano prendeu entre 30 mil e 50 mil suspeitos durante o ano passado. Segundo Wilkerson, 85% deles eram inocentes. "Nós realmente criamos uma confusão. Uma confusão terrível", disse Wilkerson. "Isto tem sido incrivelmente danoso."
Tradução: George El Khouri Andolfato