Espanhóis em voo rasante criam 'guerra' nas Selvagens
Avião militar espanhol fez um voo rasante sobre as Selvagens, ameaçando as aves marinhas em plena época de nidificaçãoO sobrevoo das Selvagens é interdito e, mesmo em situações excepcionais, não deve ser feito a menos de 2.000 pés de altitude.Data: 17-06-2007
Há uma nova 'guerra' nas Selvagens. Entre a Força Aérea de Espanha e os milhares de cagarras e outras aves marinhas que nesta altura do ano escolhem aquelas ilhas para nidificar. Tudo porque
um avião militar fez um voo rasante numa área protegida, reserva integral portuguesa, e que os nossos vizinhos teimam em não respeitar.O incidente, potencialmente perigoso numa altura em que nas Selvagens estão mais de 60 mil aves - cagarras, alma-negra e roque-de-castro, sobretudo -, está a ser abordado com muita discrição e reservas por parte das entidades locais, que inicialmente procuraram evitar confirmar a informação recolhida pelo DIÁRIO.
Interpelado o comandante da Zona Marítima da Madeira e capitão do Porto do Funchal, Coelho Cândido escusou-se a confirmar a existência do incidente que denunciamos. A mesma reacção teve Manuel António Correia, o secretário regional do Ambiente e Recursos Naturais.
A circunstância de o jornalista saber em pormenor as condições em que se deu o incidente levou o governante madeirense a ser um pouco mais expansivo. "Não sabemos bem o que aconteceu, pois estamos a efectuar a averiguação de um relato que nos foi feito".
Deixando claro que um incidente desta natureza extravasa o âmbito de competência do governo a que pertence, "pois as questões de soberania e a relação entre Estados são da competência do Governo da República", Manuel António não perdeu o ensejo de pedir ao Estado "para que cumpra as suas obrigações. Não temos razões de queixa da colaboração que temos tido da Marinha e da Força Aérea, mas todos sabemos que os meios disponíveis não garantem a defesa dos interesses nacionais, tal como ficou provado quando no passado um grupo de pescadores furtivos atacou os nossos vigilantes, ameaçando a vida de pessoas".
Sem confirmação oficial, o DIÁRIO apurou que uma aeronave de grande porte sobrevoou a baixa altitude as Selvagens, num voo perigoso para as aves e que desrespeita, sobretudo, as regras que uma reserva integral e área protegida obriga.
Recorde-se que o sobrevoo das ilhas das Desertas e Selvagens está interdito pela circunstância do seu estatuto, admitindo-se em casos excepcionais uma aproximação que não permitiria, contudo, um sobrevoo a uma altitude inferior a 2.000 pés em zonas (cerca de 600 metros), limites que a aeronave espanhola deverá ter violado, a julgar pelos primeiros relatos.
Resta acrescentar que, ao contrário de incidentes anteriores, as autoridades regionais estão a evitar qualquer conflito público com Canárias, um vizinho que a Madeira pretende ter como parceiro.
Voos, pesca furtiva e mapas em contenda por sanar
O histórico de conflitos entre Portugal e Espanhha por causa das ilhas Selvagens é antigo. Para além da contenda histórica e institucional, são conhecidos inúmeros conflitos, bem como gaffes.
Espanha no passado já fez uma tímida tentativa de anexar, administrativamente, as duas ilhas ao seu território. Portugal, por seu vez, esqueceu-se de integrar as Selvagens no Programa Nacional da Política do Ordenamento do Território.
Nos últimos 20 anos são diversos os incidentes a envolver infracções várias por parte de cidadãos e de militares residentes ou destacados em Canárias. Desde a aterragem de um helicóptero militar, passando por voos de carácter ofensivo, numa provocação exibicionista.
Tem sido no âmbito das pescas que os problemas sobem de tom. Porque os pescadores de Tenerife, sobretudo - estão a 90 milhas apenas -, não se coíbem de pescar em águas protegidas ou mesmo desembarcar para caçar aves marinhas.
O aprisionamento de barcos de pesca ou a perseguição feita, no ano passado, a lanchas rápidas com pescadores furtivos, que chegaram a ameaçar com armas os vigilantes, são outros exemplos.
Miguel Torres Cunha