Depois de uma pausa, que eu achei muito boa pelas perguntas que apareceram, acho que podemos continuar (sem que eu negrite ou sublinhe o que considerava importante).
Mais atrás vimos que existem 2 meios de se conseguir o Controle do Mar: o Bloqueio Naval e a Batalha.
A CONQUISTA DO CONTROLE DO MAR
6.1 – COMENTÁRIOS INICIAIS
Foi o britânico Julian S. Corbett quem ordenou e classificou as operações de guerra no mar. Seus conceitos e sistematização têm conservado sua validade, ainda que com algumas modificações menores para uma melhor compreensão. Na fundamentação de sua teoria fez considerações muito úteis para o entendimento do tema:
“Na condução da guerra naval todas as operações se relacionam com duas grandes classes de propósitos. A primeira é obter ou disputar o controle do mar e a outra é exercer o controle sobre as comunicações de que dispomos, tenhamos ou não conseguido o domínio completo ... Como é natural, na prática, raras vezes podemos assegurar categoricamente que uma operação de guerra tenha um só propósito claramente definido. Uma esquadra de batalha, cuja função principal era conseguir o domínio, foi situada normalmente em uma posição tal que lhe permitisse exercer controle; e vice-versa, linhas de cruzadores destinados, antes de mais nada, ao exercício do controle sobre rotas comerciais, foram consideradas como postos avançados da esquadra de batalha, a fim de preveni-la acerca dos movimentos das esquadras inimigas.”
Dos juízos citados, infere-se que a força organizada é a responsável pela conquista do controle do mar, enquanto as outras forças, sob sua proteção, o exercem de acordo com o grau de controle detido. Em outros termos, as operações de conquista e exercício coexistem sem interferir uma com a outra. Porém, a conquista demanda a concentração das forças, enquanto as de exercício exigem sua dispersão. Esta contradição constitui um dos dilemas mais árduos a resolver no processo de formação configuração do poder naval e seu emprego no desenvolvimento do conflito.
6.2 - PROPÓSITO E OBJETIVO
O propósito das operações para a conquista do controle do mar consiste em obter tal domínio, de forma manifesta, considerando as limitações deste termo. O objetivo está constituído pela força organizada inimiga, o maior obstáculo para alcançá-lo. O instrumento empregado para tal fim é a própria força organizada do partido que se dispõe a obter tal controle. Existe uma solução definitiva e outra temporária e incompleta. Estas operações são opções do mais forte, pois buscam, explícita ou implicitamente a Batalha decisiva. Por conseguinte, o mais fraco não pode realizá-las. Em alto mar, a decisão depende do poder combatente pois não existem acidentes geográficos para atenuar o efeito das armas. As operações de conquista materializam uma atitude estratégica ofensiva em relação à força organizada adversária.
6.3 - REQUISITOS DA OFENSIVA
As operações de conquista do controle do mar são ofensivas realizadas em um âmbito e condições muito particulares. No complexo entorno marítimo, faz-se indispensável observar com rigor os requisitos da ofensiva. Em caso contrário, os esforços desenvolvidos caem no vazio ou não produzem os efeitos correspondentes aos riscos e sacrifícios incorridos.
Um comando capaz tem um significado extraordinário. A vontade estratégica, aglutinante dos elementos materiais do poder naval, joga um papel crucial. “O homem com seu querer e seu poder, constitui o fator determinante para criar, tornar realidade o vínculo entre força, posição e pôr em ação o poder naval.” . Ao mais forte não basta ter espirito ofensivo, precisa apelar para sua inteligência e capacidade criativa para forçar o inimigo ao campo da decisão.
O objetivo bem eleito ostenta um significado importantíssimo. No mar, é absurdo avançar sem um propósito definido, sem um objetivo concreto. Se o inimigo evita o combate, deve-se ameaçar algum alvo para obrigá-lo a intervir em sua defesa.
Outra alternativa reside em apresentar-lhe situação aparentemente atraente, na qual sua vitória é, aparentemente, fácil. Mas, no caso em que os alvos oferecidos não se revistam de importância real, o adversário se abstém de atuar. Assim mesmo, muitas ofensivas se dissipam ou os encontros produzidos tornam-se indecisos, quando os riscos ultrapassam o valor do objetivo proposto.
A disponibilidade de meios adequados é um requisito.
“Quem desejar praticar a ofensiva, deverá possuir, antes de tudo, os meios necessários em quantidade e qualidade ... no mar, a situação é mais exigente ainda. A força de superfície muito inferior nada poderá fazer, do ponto de vista tático. Não somente lhe está vedada toda ofensiva, como qualquer intenção nesse sentido poderia terminar em catástrofe. Não pode esperar apoio algum do terreno e todo combate em retirada se converterá imediatamente em um desastre. Na ordem estratégica, as perspectivas não são mais alentadoras.”
Por último, a oportunidade tem um caráter crítico graças à vastidão do cenário e às características das forças navais. Para quem esteja decidido a realizar o combate não existem condições favoráveis, é necessário criá-las. No mar, os choques correspondem a atos de consentimento mútuo de ambos os rivais. Com fim de travar o encontro, requerem-se um mínimo a respeito da situação do adversário e a direção mais provável de seus movimentos. Os prazos disponíveis reduzem-se de maneira problemática por causa da mobilidade das forças, o imenso espaço oceânico e a faculdade do mais fraco de fugir do contato, refugiando-se em suas costas.
6.4 - OS MÉTODOS PARA CONQUISTA DO CONTROLE DO MAR
Há dois métodos para conquista do controle do mar: o bloqueio e a Batalha.
O primeiro busca neutralizar a Força Organizada inimiga, mantendo-a em uma área restrita. Por conseguinte, seu efeito é transitório e indireto, pois persiste somente enquanto dura o bloqueio.
O segundo, cuja concretização apresenta múltiplas dificuldades, tem por meta a destruição da esquadra inimiga e, em conseqüência, pretende alcançar uma solução definitiva para a guerra marítima.
“Na história naval dos últimos séculos têm sido relativamente escassos os encontros entre os núcleos principais dos beligerantes e muito poucos deles foram concluídos de modo definitivo.”
6.5 - O BLOQUEIO NAVAL
O bloqueio naval pretende impedir a saída da Força Organizada inimiga de um espaço determinado, ou evitar sua aproximação à uma área específica; é destruída se tenta fazê-lo. Corbett escreveu: “Mediante o bloqueio naval procuramos impedir a saída do porto de uma força armada do inimigo, ou assegurar que esta seja levada à ação antes de poder alcançar o propósito de sua saída para o mar.”
O bloqueio, ainda que pareça obsoleto para ser aplicado na guerra naval do presente, conserva-se válido como método para obtenção do controle do mar. As novas armas incorporadas ao inventário naval alteraram somente os procedimentos, sem alterar seu padrão. O conflito das Malvinas parece avalizar sua validade. Não podendo arriscar seus meios, pois tinha um grave conflito com o Chile, a Argentina recolheu sua “Flota de Mar”, assumindo a postura de uma força bloqueada, e entregou à Inglaterra o controle do mar, que permitiu o desembarque nas ilhas em disputa.
Ao levar a cabo o bloqueio há que se apreciar diversos fatores e condições, a fim de avaliar sua efetividade:
Situação estratégica - Determinar se ela exige a neutralização da força organizada inimiga, seja confinando-a em seu fundeadouro ou impedindo sua aproximação de uma determinada área de operações.
Fator geográfico - Ter presente a reação da terra sobre o mar e a forma em que este fator pode influenciar nas atividades da esquadra em suas tarefas de bloqueio.
Tempo - Definir o período pelo qual se pretende manter bloqueada a esquadra inimiga.
Meios - Comparar as forças inimigas e as próprias, pois se necessita superioridade, em qualidade e quantidade, para bater o inimigo, caso tente romper o bloqueio.
Política internacional - Verificar as possíveis interferências com as atividades marítimas dos neutros, a fim de evitar de evitar incidentes desnecessários.
Iniciativas - O bloqueado sempre tem a iniciativa de movimento, enquanto o bloqueador conserva a iniciativa estratégica.
6.6 - CLASSIFICAÇÃO DO BLOQUEIO NAVAL
O bloqueio naval consta de duas variantes, segundo a localização do bloqueador em relação ao bloqueado. Uma se realiza nas proximidades da força bloqueada e a outra à distância. Seus propósitos são diferentes.
Bloqueio Cerrado
Este bloqueio também recebe o nome de “aproximado“, “estreito”, “fechado”, “tático” ou, ainda, “controle de saídas”. Pretende impedir a partida da esquadra inimiga da área onde se encontra encerrada. Com ele se obtém o controle do mar no resto do cenário marítimo, permitindo o livre uso das águas em benefício próprio, Por tal razão, diz-se que constitui um método indireto de conquista do controle do mar. Além disso, é temporário, pois perdura enquanto a esquadra mantiver o bloqueio.
“O bloqueio cerrado é essencialmente uma operação ofensiva, enquanto seu propósito é, geralmente, defensivo; é um movimento de avanço a fim de impedir que o inimigo leve a cabo alguma operação ofensiva, seja em forma direta ou mediante um contragolpe ... Nossa ofensiva fica detida; não podemos continuá-la até que a esquadra inimiga se apresente. Nos vemos obrigados a esperar em uma atitude defensiva, mantendo as comunicações de que nos apoderamos até que o inimigo resolva atacar para privar-nos das mesmas ... Em realidade, nos vemos obrigados a manter a defensiva sem gozar de nenhuma de suas vantagens materiais; fica a vantagem moral de haver tomado a iniciativa, mas nada mais.”
O bloqueio cerrado exibe dois inconvenientes que o relegam a uma ação do passado:
- Produz um excessivo desgaste às forças bloqueadoras; e
- As forças ficam expostas a grandes riscos, ante a reação da terra sobre o mar.
“Sobretudo, talvez, a aparição dos torpedos, minas, submarinos e eventualmente os aviões, significaram que as esquadras bloqueadoras estariam, de modo crescente, expostas a lamentáveis e possivelmente perigosos níveis de desgaste desde a costa...O bloqueio cerrado se iria fazendo mais aberto para efeitos práticos,...No início do século vinte, este fato havia sido aceito pelo Almirantado britânico.”
Exemplo: Primeira Guerra Mundial:
Otto Groos cita um documento elaborado pelo Estado-Maior da Marinha alemã relativo às dificuldades do bloqueio cerrado:
“A situação do bloqueador é mais desfavorável que a do bloqueado, as forças bloqueadoras ao distribuírem-se em uma linha muito estendida, ficam expostas a ataques isolados de grupos adversários de forças superiores; isto faz necessário o apoio de unidades de combate de grande poder combatente (cruzadores encouraçados), que terão que correr o perigo que significam os torpedeiros, submarinos e minas do bloqueado; e deverão, portanto, estar apoiadas pelo grosso das próprias forças, se não querem que o bloqueio fique fortemente debilitado cada vez que o bloqueado leve a cabo um ataque; isto dá lugar a que também o grosso das forças inglesas fique dentro do raio de ação de nossos torpedeiros e submarinos, e este perigo seria ainda maior se o bloqueado dispusesse de uma patrulha aérea adequada ... Globalmente, pode considerar-se o estabelecimento de um bloqueio estreito como uma operação dificultosa e cheia de perigos, o que induz a supor que não será posta em prática.”
A análise, com suas conclusões, foi escrita em maio de 1914, antes do rompimento das hostilidades.
Bloqueio à Distância
É, também, denominado “aberto”, “estratégico”, “afastado” ou “controle de estrangulamento”. A força realiza-o posicionada em local distante da base inimiga. Tão pronto a esquadra inimiga abandona a proteção de suas costas, ou ingressa em uma área determinada, é interceptada e destruída. Este procedimento tende à conquista do controle do mar de modo direto. Tenta facilitar a amplitude dos movimentos do antagonista com a intenção de provocar o encontro decisivo. “como a maioria dos outros bloqueios à distância, o bloqueio da esquadra britânica na Primeira Guerra Mundial tentava em parte atrair seu adversário para destruí-lo em alto mar.”
O bloqueio a distância apresenta numerosas vantagens em comparação com o cerrado assegurando, assim, sua eficácia e permanência:
Desgaste – a força bloqueadora pode permanecer fundeada na posição, preparando-se para a Batalha sem experimentar um desgaste significativo;
Segurança – na posição, o sistema defensivo local e a distância ao inimigo outorgam à esquadra a segurança necessária.
Informação – os meios de busca e vigilância entregam à força a informação adequada e oportuna sobre os movimentos do bloqueado.
Vulnerabilidades momentâneas – o desdobramento na posição permite debilidades temporais à força, ocultando-as do inimigo.
O bloqueio a distância demanda o cumprimento de dois requisitos básicos, um de caráter estratégico e outro de caráter geográfico. Sem a satisfação desses requisitos, é ilusório pretender a destruição do inimigo. No requisito estratégico, o bloqueador deve manter-se sempre preparado e pronto para enfrentar a Batalha. No geográfico, ainda quando o inimigo perceba dispor de liberdade de ação para deslocar-se, a localização do bloqueador, jogando com os fatores de tempo e distância, permite sua interceptação. Se os requisitos não são cumpridos, o inimigo possui a capacidade de eludir ao bloqueador e alcançar seus objetivos estratégicos.
O bloqueio à distância, apesar de suas vantagens, apresenta certas deficiências. Por exemplo, não proporciona uma segurança completa, com demonstrado com os bombardeios da Esquadra de Alto Mar contra o litoral inglês na Primeira Guerra Mundial. Assim mesmo, não se pode esquecer que é uma operação de conquista do controle do mar. Em conseqüência, protege os objetivos estratégicos em particular comunicações marítimas as somente contra a ação da Força Organizada. As comunicações marítimas precisam ser protegidas por forças dedicadas às operações de exercício do controle do mar, de caráter defensivo, da ação predadora dos outros meios que não integram a esquadra principal adversária.
6.7 - O BLOQUEIO NA ATUALIDADE
As formas modernas de bloqueio foram analisadas em profusão na literatura naval. O Almirante Stansfield Turner define, na atualidade, o bloqueio cerrado como “Controle de Saídas”:
“Seria o confinamento do oponente em seus portos e bases ... o bloqueio atual busca a destruição de unidades individuais, a medida que saem. Se assumirmos que qualquer oponente manterá o controle aéreo ao redor de seus portos, as táticas de controle de saídas dependerão primariamente de submarinos e minas ... o meio mais econômico de impedir a uma nação o uso do mar e sua capacidade de interferência.”
O bloqueio à distância é denominados, também, controle de estrangulamento, porque “algumas vezes, o melhor lugar para empenhar-se com o inimigo é um gargalo geográfico por onde o mesmo deva passar.”
Sobre isso, escreveu Geoffrey Till:
“As forças da OTAN devem estar preparadas para ações nas passagens entre Groenlândia, Islândia e Grã-Bretanha e entre Svalbard e Noruega, contra a possibilidade de unidades da Esquadra Soviética penetrarem no Atlântico Norte.”
Como é possível apreciar, o propósito do bloqueio continua sendo o mesmo. Mudam os nomes, os meios e os procedimentos, mas se mantém inalterável sua meta estratégica. Constitui uma operação de conquista do controle do mar consistente com a neutralização do inimigo, encerrando-o em suas bases. Se o mesmo tenta romper o bloqueio, é destruído. O bloqueio tem dois efeitos: assegura a imunidade do território e das comunicações marítimas da ameaça da esquadra adversária, e possibilita a certeza da localização da mesma.
Exemplo: Segunda Guerra Mundial.
“As operações de bloqueio se integraram mais estreitamente dentro e indistintamente do resto das atividades da esquadra. Assim mesmo, estas atividades foram se tornando multidimensionais, em particular com o poder naval jogando um papel cada vez mais importante na detecção e destruição (potencial ou real) das forças navais em ambos os lados da linha de bloqueio. Por último, a tecnologia e a situação estratégica conspiraram para outorgar às marinhas bloqueadas (principalmente as alemã e italiana) maior liberdade e área de manobra que antes haviam tido. Mas, ainda quando a prática pode ter tido dificuldades como estas, o propósito do bloqueio permaneceu em essência inalterável. Nesta guerra, como muitas das anteriores, o bloqueio foi, para a marinha mais forte o melhor dos meios para conter o inimigo mais débil, ainda que potencialmente perigoso, e assim melhorou suas possíveis capacidades de usar o mar com relativa segurança. Mas, como sempre, dispôs de um grau de proteção menor do que poderia oferecer a completa destruição das forças principais do inimigo.”
6.8 - O BLOQUEIO ECONÔMICO
O bloqueio naval à Força Organizada, corresponde a uma operação para a conquista do controle do mar e participam de sua execução somente as forças navais principais dos adversários. Sua essência é militar. O bloqueio econômico – também denominado bloqueio comercial - constitui uma atividade específica do exercício do controle do mar. Seu objeto consiste em interromper o tráfego comercial do inimigo e seus objetivos estão materializados pelos navios mercantes, rivais e neutros, que navegam até ou desde seus portos. Seu caráter, com nitidez, é econômico. No entanto, ambos bloqueios mantêm uma estreita correlação. O bloqueio à força, ao outorgar o controle do mar, é utilizado na proteção das comunicações marítimas próprias, retirando a ameaça da esquadra contrária. Além disso, permite atacar as comunicações do adversário com ampla liberdade de ação. Por outra parte, o bloqueio econômico representa uma ameaça intolerável para um país dependente de suas linhas de comunicação marítimas, que, em conseqüência, fica obrigado a lutar para furar o bloqueio, destruindo o centro de poder que o sustenta: a força organizada antagonista. Com o fim de alcançar a dita meta, poderá ter, como única solução, a Batalha.
Pelas razões anteriores, ambos bloqueios tendem a confundir-se e muitos estudiosos, por exemplo Rosinski, não fazem distinções entre eles. A esse respeito Till comenta:
“Estrategistas marítimos, com freqüência, deram-se ao trabalho de destacar que os objetivos da esquadra bloqueadora eram militares e, portanto, não devia ser confundido com o bloqueio econômico, cuja intenção era cortar o tráfego inimigo, ou negar-lhe abastecimentos essenciais. A distinção subsistia ainda quando os mesmos navios podiam executar ambos os tipos de bloqueio no mesmo lugar e ao mesmo tempo.”
Mas, com o propósito de não cometer erros no terreno teórico, com nocivas repercussões práticas, convém diferenciá-los. Por último, cabe mencionar uma frase de Castex:
“O bloqueio tem sido, freqüentemente, o último ato na conquista do domínio do mar e o primeiro de sua exploração.”