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Mensagem
por VICTOR » Seg Ago 09, 2004 3:07 pm
DIREITO & JUSTIÇA
Quando a ordem for abater
Edson Luiz Saraiva dos Reis
Advogado especializado em Direito Tributário e Aeronáutico, integrante de Alcoforado Advogados Associados S/C.
O combate ao contrabando de armas, de plantas, de animais e ao tráfico de drogas está tomando dimensões de verdadeira guerra, onde o uso da força bruta pelo Estado passou a se fazer necessário e legalmente admitido, em prol da soberania, da segurança, da ordem, e em respeito a relevante interesse da nação. É nesse contexto que a Lei nº 9.614/98, conhecida como a Lei do Abate, que alterou o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) — Lei nº 7.565/86 — acaba de ser regulamentada via Decreto nº 5.144, de 16.7.2004, no que concerne às medidas a serem adotadas em face de aeronaves hostis ou consideradas suspeitas de estarem sendo utilizadas no tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins.
Ato semelhante, Decreto nº 5.129, de 6.7.2004 (considerado a Lei do Abate Naval), foi publicado, dias antes, regulando o modo de abordagem das embarcações suspeitas pela recém-denominada Patrulha Naval. Em ambos os casos, as forças armadas brasileiras passaram a contar com expressa autorização legal para fazer uso de medidas coercitivas e enérgicas com o escopo de garantir a soberania nacional, a segurança, a lei e a ordem. E essas medidas poderão significar a destruição total das aeronaves ou embarcações utilizadas na prática de ilícitos.
Entrementes, no que tange especificamente à denominada Lei do Abate e ao seu recém-editado regulamento, exsurge discussão jurídica acerca da constitucionalidade, quer seja por estarem sendo vislumbradas como medidas que não observam os princípios do devido processo legal (com seus corolários: o contraditório e a ampla defesa) — pela necessidade de apreciação a cargo do Poder Judiciário, em razão de ameaça ou lesão a direito e pelo fato de inexistir tribunais de exceção — quer seja, até mesmo, por pensarem caracterizar o retorno institucionalizado da pena de morte no Brasil.
Porém, não deve ser esse o entendimento mais ponderado sobre a questão, uma vez que os princípios constitucionais estão incorporados no CBA que, claramente, preconiza em seu art. 292 o direito à ampla defesa e ao contraditório. Basta que, na forma dos arts. 18 e 303, o comandante ou o piloto da aeronave perseguida cumpra as orientações emanadas da autoridade aeronáutica para, então, fazer uso do devido processo legal, sendo correto afirmar que, caso persista na fuga, estará abdicando desse direito disponível.
De outro lado, a medida extrema de deter a aeronave não significa a decretação da pena de morte. O Estado, no exercício da sua soberania, almeja fazer cumprir a lei e garantir a ordem, o que pode ser feito sem significar mortes. A preocupação do Estado é patente, eis que, antes da adoção da medida extrema de destruição, deverão ser progressivamente observados os seguintes procedimentos: 1) no caso de suspeita, o órgão controlador de vôo ordena a identificação e o pouso da aeronave para o controle em solo; 2) desobedecida a ordem, a autoridade aeronáutica requisitará a interceptação; 3) o controle operacional passa para o Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (Comdabra); 4) aeronaves de interceptação se aproximam de forma ostensiva com o escopo de confirmar a identidade e vigiar o seu comportamento, interrogando-a por intermédio de rádio ou de sinais visuais (medidas de averiguação); 5) estão sendo gravadas as comunicações e imagens dos procedimentos adotados; 6) os pilotos militares e os controladores de defesa são qualificados, segundo padrões estabelecidos pelo Comdabra; 7) a aeronave militar determina a mudança de rota no intuito de forçar o pouso em aeródromo que for determinado (medidas de intervenção); 8 ) persistindo o descumprimento, serão disparados, pela aeronave interceptadora, tiros de aviso, objetivando persuadir os suspeitos; 9) insistindo no erro, a aeronave interceptada passa a ser classificada como hostil; 10) estando a aeronave sobre áreas não densamente povoadas e relacionadas com rotas conhecidamente utilizadas pelo tráfico de drogas, os pilotos solicitarão autorização para adoção da medida extrema; 11) o Comandante da Aeronáutica autoriza o uso da última medida; 12) e, finalmente, as aeronaves militares disparam contra a aeronave hostil com o fito de provocar danos e impedir o prosseguimento do vôo (medida de destruição).
Urge frisar que os aparelhos usados para o tráfico de drogas não dispõem de características aerodinâmicas que permitam a execução de manobras evasivas capazes de dificultar uma interceptação empreendida pelos ALX da FAB. Significa dizer que, tiros poderão ser disparados para atingir certos pontos da aeronave interceptada (empenagens, ailerons, etc), sem, contudo, ocasionar morte de pessoas, mas o pouso imediato e forçado.
Certo é que, ante tantos procedimentos observados, quando a ordem for abater, é o comandante ou piloto interceptado quem terá assumido, pela sua pertinácia exagerada e irresponsável, o risco do resultado que vier a produzir.