O Sistema Integrado de Controlo de Comunicações
Uma história de sucesso 1ª Parte
INTRODUÇÃO
A complexidade crescente da envolvente operacional implica a necessidade de dotar os navios com instrumentos eficazes de gestão dos recursos disponíveis, que permitam uma reacção imediata a qualquer alteração, inesperada e global, do cenário das comunicações. Para tal requerem-se elevados níveis de automação, que, simultaneamente, permitam a redução do número de operadores especializados em comunicações e uma maior eficiência e eficácia do serviço de comunicações.
Atenta a esta necessidade e ao papel determinante que as comunicações navais desempenham no teatro de operações e no desenrolar de quaisquer tipo de operações navais, a Marinha Portuguesa, no início da década de 80, decidiu dar um passo de gigante, na altura, e avançar com a especificação técnica que serviu de base à concepção, desenvolvimento e produção do primeiro Sistema Integrado de Controlo de Comunicações (SICC).
Foi determinante neste processo o espírito empreendedor e visão de futuro de um grupo de oficiais da nossa Marinha que acreditou e acarinhou este projecto.
O SICC, tanto na sua versão original, como nas sucessivas evoluções que sofreu ao longo do tempo, foi concebido e desenvolvido de forma a responder, a cada momento, aos novos desafios, tanto na área operacional como na tecnológica, proporcionando ferramentas e funcionalidades adequadas para garantir a gestão eficiente dos meios de comunicação internos e externos dos navios.
O NRP "Comandante Roberto Ivens", primeiro navio a ser equipado com o SICC - 1ª Geração.
O desempenho dos vários navios equipados com o sistema, no âmbito de exercícios NATO e missões de carácter internacional, têm evidenciado um objectivo plenamente atingido.
De realçar a capacidade de controlo centralizado que o sistema oferece, através de uma interface Homem-Máquina simples e intuitiva, integrando também capacidades de processamento de mensagens. Deste modo, obtém-se uma gestão eficiente dos recursos de comunicações existentes a bordo, com um mínimo de pessoal especializado. O mesmo princípio se aplica aos Terminais de Voz, cuja operação é extremamente simples e intuitiva, facilita o treino dos elementos da guarnição com a sua utilização, independentemente do grau de conhecimento dos procedimentos de comunicações, permitindo o acesso a canais de comunicação em fonia, tanto internos como externos.
Actualmente em funcionamento em fragatas, corvetas e navios de apoio de Marinhas NATO e não só, o SICC pode ser adaptado para os requisitos específicos de qualquer tipo de navio de guerra, desde navios patrulha e submarinos a porta-aviões.
HISTORIAL
Nos anos 70, quando o núcleo da actual EID1 era o departamento de Investigação & Desenvolvimento de uma empresa portuguesa de telecomunicações, a Centrel, a Marinha adjudicou a três empresas nacionais2 um contrato para o desenvolvimento conjunto de transmissores HF solid-state de 1KW. Foi um desafio importante, dado que, na altura, os amplificadores solid-state envolviam uma tecnologia completamente nova.
Era a primeira vez que um projecto desta natureza era desenvolvido em Portugal, mas o resultado superou todas as expectativas: mais de uma centena de unidades foram instaladas, encontrando-se a maior parte ainda em funcionamento. O sucesso alcançado com este programa abriu caminho para novos projectos: o desenvolvimento de receptores VLF-HF e dos Sistemas Integrados de Controlo de Comunicações (SICC).
Dá-se assim início, em 1981, à actividade no domínio das comunicações navais com a celebração de um contrato, com a então Centrel, para o desenvolvimento de um sistema que proporcionasse o comando e controlo das comunicações dos navios da Marinha Portuguesa.
1ª GERAÇÃO
SICC - 2ª Geração instalado nas Fragatas Classe "Vasco da Gama".
O primeiro sistema foi instalado em 1983, no NRP “Comandante Roberto Ivens”. Este foi, há mais de vinte anos, um dos primeiros navios da STANAVFORLANT a ser equipado com um sistema completo de comunicações integradas, incluindo circuitos de comutação, equipamento de controlo remoto e tratamento de mensagens, possuindo as ferramentas necessárias para assegurar uma gestão flexível e eficiente, e o controlo de todas as comunicações dos navios.
Ultrapassado o impacte causado pela mudança drástica de ambiente operacional, a guarnição aderiu entusiasticamente ao novo sistema, factor que contribuiu para o sucesso da mudança. O papel que aquele navio desempenhou, na altura, foi de tal modo relevante que, quando incorporada nas forças da NATO, era designado para assumir a função de suporte às comunicações nas operações.
Fruto desse sucesso, em pouco tempo a Marinha Portuguesa decidiu alargar a instalação do SICC às restantes fragatas da classe “Comandante João Belo”, às corvetas da classe “Baptista de Andrade” e ao N.R.P. “João Coutinho”.
AOR "Patiño", equipado com o SICC - 3ª Geração (Marinha Espanhola).
2ª GERAÇÃO
Mais tarde, quando o Governo Português decidiu aprovar a construção das fragatas da classe “Vasco da Gama”, a Marinha não teve qualquer dúvida em eleger a EID como responsável pela integração dos sistemas de comunicações. Este Contrato, assinado em 1987, proporcionou a primeira evolução do SICC - a 2ª geração - e lançou tanto o sistema, como o seu fabricante, definitivamente, para o mercado internacional, suscitando um crescente interesse por parte das marinhas militares à medida que foi sendo conhecido.
3ª GERAÇÃO
Os primeiros clientes internacionais foram a Marinha Espanhola e os estaleiros espanhóis da E. N. Bazán, actual Navantia (ex-IZAR), que contribuíram para um aumento significativo das oportunidades de exportação.
O primeiro navio da Armada Espanhola a ser dotado com o sistema integrado de controlo de comunicações foi o AOR3 “Patiño”, tendo tal facto, em 1987, contribuído para a segunda evolução do SICC - a 3.ª geração – salientando-se nesta nova versão a integração de uma Workstation com interface Homem-Máquina gráfico baseado em windows e a introdução da capacidade de Gestão de Planos de Comunicações (ComPlans).
Rendidos às capacidades de gestão, automação e facilidade de operação do SICC, a Armada Espanhola decidiu alargar a instalação deste sistema a outros vasos de guerra, nomeadamente no LPD4 “Galicia” (1995) e Porta-aviões “Príncipe de Astúrias”, Caça Minas da classe “Segura” e LPD “Castilla” (1996).
Foi ainda com esta versão que, em 1995, a EID ganhou o concurso público para o fornecimento de um SICC para instalação no LPD “Rotterdam” da Marinha Real Holandesa, tendo tal facto marcado o início das relações comerciais entre a EID e a Marinha Real Holandesa e a sua preferência pela solução nacional em termos de comunicações navais em detrimento de outras soluções existentes no mercado, situação essa que se mantem até à presente data.
4ª GERAÇÃO
Entretanto, em 1994, a realização de um Contrato com a Marinha Real Tailandesa tendo em vista o fornecimento de um Sistema Integrado de Controlo de Comunicações para equipar o porta helicópteros “Chakri Naruebet” marcou o início do desenvolvimento da 4.ª geração do SICC.
A nova geração apresenta como elementos inovadores o facto da comutação e transmissão ser totalmente digital e configurável até 2 nós de comutação. Pela primeira vez é utilizada fibra óptica, sendo também de realçar a possibilidade de se efectuarem até nove comunicações simultâneas por utilizador e proceder-se a reconfiguração automática das ligações.
Em 1997, a Marinha Portuguesa fez o upgrade do SICC da 1.ª geração instalado no N.R.P. “Afonso Cerqueira” para um SICC da 4.ª geração, sendo este, desde então e até à presente data, o navio da Marinha Portuguesa com o sistema de comunicações mais avançado.
5ª GERAÇÃO
O desenvolvimento da actual versão – SICC - 5.ª geração – iniciou-se em 1997 com a assinatura de contrato com a Marinha Real Holandesa para o fornecimento de quatro sistemas para equipar as Fragatas Classe “De Zeven Provinciën”. Nesta nova versão destaca-se a introdução do conceito de sistema multi-nó, de arquitectura flexível, que permite soluções com um único ou vários nós de comutação (topologia malhada ou em anel). Esta evolução correspondeu também à integração de componentes BGA5, concepção de novos bastidores, integração do módulo de Gestão de Frequências e interface para o Sistema de Combate.
Nesse mesmo ano a Marinha Real Holandesa adquiriu mais dois sistemas para equipar os navios Hidrográficos e mais tarde, já em 2003, adquiriu um novo Sistema para equipar o LPD “Johan de Witt”, tendo sido este o último sistema fornecido pela EID à Marinha Holandesa.
Também em 1997, a EID assinou mais um contrato com a Armada Espanhola, desta feita para o fornecimento de quatro SICC’s - 5.ª geração - para equipar as Fragatas da classe “Álvaro de Bazán”, as conhecidas F100.
Entretanto, atenta à dinâmica e evolução do mercado mundial na área das comunicações, e como reconhecimento da qualidade, capacidades funcionais e desempenho do Sistema Integrado de Controlo de Comunicações produzido pela EID, com provas dadas no teatro de operações, nomeadamente em exercícios e operações navais internacionais em que participavam unidades navais de nacionalidade portuguesa, espanhola e holandesa, equipadas com este sistema, a Marinha Real Inglesa decide, em 2001, proceder à aquisição de quatro sistemas para instalação nas FOPV’s6 Classe “River”. Dá-se assim a entrada da EID no mercado britânico, considerado um dos mais conservadores e de difícil penetração, principalmente numa área tão sensível como é o caso das comunicações navais. Mais tarde, em 2002 e 2005, a Marinha Inglesa adquire mais quatro sistemas para equipar as LSD(A)7 classe “Bay” e um para o OPV(H)8, respectivamente. Tal facto constituiu mais um motivo de orgulho e uma importante conquista para a empresa portuguesa, pois viu uma vez mais reconhecido, a nível internacional, a qualidade do seu produto, mais ainda por um cliente tão exigente como é o caso da Royal Navy.
É, também, com esta versão que, em 2005, a EID cruza o Atlântico e chega à Marinha Brasileira com a venda de mais um SICC - 5.ª Geração, neste caso para equipar a Corveta “Barroso”.
Já durante o corrente ano, a EID assinou mais um contrato com a Armada Espanhola para o fornecimento de um SICC para equipar o Buque de Proyección Estratégica (BPE), actualmente em construção nos estaleiros navais de Navantia, Espanha.
No quadro a seguir são indicados os diferentes sistemas exportados pela EID até à presente data.
Entretanto a Marinha Portuguesa continua a manter total confiança e preferência pelo SICC produzido pela EID, não só porque é um produto totalmente desenvolvido por uma empresa nacional, como também, e mais importante, por ser um produto de qualidade, fiável e já uma referência a nível internacional.
Por isso, a Marinha Portuguesa apostou uma vez mais nesta empresa para a concepção, construção e instalação do SICC - 5.ª geração, nos navios-patrulha da classe “Viana do Castelo”. Os sistemas foram adquiridos em 2003, tendo as provas de fábrica decorrido em 2004 e 2005.
Entretanto os sistemas foram entregues aos ENVC9, aguardando-se o aprontamento dos navios de modo a dar-se início as actividades de colocação em serviço dos sistemas a bordo.
Foram também adquiridos pela Marinha Portuguesa, em 2005, os sistemas para equipar as seguintes unidades navais:
• N.R.P. “Alm. Gago Coutinho”, cuja instalação está prevista ser realizada durante o actual período de reconversão desta importante unidade naval.
• Navios-patrulha e de Combate à Poluição, dois sistemas. As provas de fábrica do sistema para o 1º navio estão agendadas para Dezembro de 2006.
• Submarinos PN209, dois sistemas. As provas de fábrica do sistema para o 1º navio estão previstas para Junho de 2007.
O Navio Polivalente Logístico e as fragatas que venham a substituir as da Classe “C. João Belo” constituem novas possíveis oportunidades de instalação dos Sistemas Integrados de Controlo de Comunicações produzidos pela EID.
Está também nos planos da Marinha Portuguesa efectuar o upgrade do SICC - 2.ª Geração instalado nas fragatas da Classe “Vasco da Gama”, de modo a acompanhar a evolução tecnológica e os novos desafios que se colocam na área das comunicações navais, bem como para ultrapassar a inexistência de capacidade no actual sistema para dar resposta à crescente necessidade de instalação de novos equipamentos rádio associados à implantação de novos serviços, à implementação de novos requisitos operacionais e contornar alguns problemas de obsolescência logística.
NOTAS FINAIS
Fazendo uma retrospectiva da indústria de defesa nesta área tecnológica nos anos oitenta, e comparando-a com a realidade actual, verifica-se, principalmente na área das comunicações navais, um crescimento significativo, bem como a sua implantação e reconhecimento no mercado internacional.
O SICC, totalmente desenvolvido pela indústria nacional, desde a sua concepção e desenho, passando pela produção e instalação, é, definitivamente, um passo em frente nas comunicações navais a bordo de um navio de guerra. Baseado na sólida experiência da EID na área das comunicações navais, o SICC é uma realidade com provas dadas e vasta aceitação e reconhecimento internacional, graças às suas extraordinárias e únicas capacidades.
A aposta da Marinha Portuguesa, não só no projecto de desenvolvimento de um sistema integrador das comunicações de bordo, como também na empresa/grupo de empresas que na altura aceitaram esse desafio, foi o primeiro passo nesta já longa caminhada de sucesso. Mais tarde, a construção das Fragatas da Classe “Vasco da Gama”, equipadas com um SICC da 2.ª Geração, e posteriormente a sua participação em exercícios NATO, foram acontecimentos marcantes que contribuíram de forma decisiva e inequívoca, para o lançamento das comunicações navais portuguesas no mercado internacional.
Também foi determinante neste processo a estratégia empresarial de se manter na linha da frente em termos tecnológicos: talvez neste facto resida a chave do seu sucesso no que respeita à integração dos sistemas de comunicações. A EID é, actualmente, considerada uma empresa de referência a nível internacional, facto comprovado pela já importante carteira de clientes, um motivo de orgulho, sendo as suas vendas no mercado externo um factor de afirmação nacional, para além duma importante fonte de entrada de divisas.
Luís Moita Rodrigues
CFR EMA
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