José Manuel Barroso
"De que país é você?", pergunta-me o empregado de um restaurante em Brasília. "De Portugal, não dá para ver? Que língua acha você que eu falo?", respondo. "Ah, você é de Portugal? Que engraçado, você fala bem português, consigo entendê-lo bem." "Que tem o meu português, é ruim?", pergunto eu então. "Não é que seja ruim, a questão é que eu o entendo, o que nem sempre é fácil com os portugueses." O que nem sempre é fácil - e é verdade.
Para o brasileiro comum, o português de Portugal é difícil de compreender. Porque o sotaque é diferente, porque muitas palavras têm sentidos diversos, porque nós "comemos" as vogais, porque há palavras do português antigo que os brasileiros conservam e nós já as esquecemos na linguagem corrente, porque, como melting pot, o Brasil adopta rapidamente, aportuguesando-as, palavras de outras línguas. É verdade, a língua une e desune o português e o brasileiro.
Apesar disto tudo, penetrar no Brasil, para o cinema, os media, a literatura portuguesa, é difícil. Um filme português, exibido no Brasil, terá de ser legendado, para ser entendido correctamente. Noticiário originário dos media portugueses terá de ser adaptado para o português do Brasil. Esta simples barreira acaba por ser uma parcela mais no ainda grande desconhecimento que os dois países têm um do outro. Porque a realidade é essa: Brasil e Portugal, apesar dos investimentos e do turismo, são dois familiares que se desconhecem. E que apenas se irão conhecendo melhor, a nível da opinião pública, à medida que imigrantes brasileiros em Portugal e turistas portugueses no Brasil forem dando conta da realidade nova que observam em cada país.
A imagem que o brasileiro comum tem do português é ainda a "do Manuel e do Joaquim", símbolos do português emigrante da primeira metade do século XX, rural e pobre, o qual, como hoje o emigrante brasileiro em Portugal, se batia por uma vida melhor que não cabia nos horizontes do seu país de origem. Grande número de brasileiros nada sabe do Portugal de hoje e fica espantado quando se depara com um país moderno. Do mesmo modo que o português comum, que apenas conhece imigrantes brasileiros em Portugal originários do interior ou das zonas mais pobres do Brasil (em muitos casos pouco preparados escolar e profissionalmente), tende a identificá-los com o país-irmão.
E no lado brasileiro há ainda complexos de colonizado. É espantoso ler ou ouvir, no Brasil, algumas explicações para alguns males da vida brasileira. Apesar de independente há cerca de dois séculos, muitos brasileiros ainda identificam os erros e hábitos das suas lideranças ou de determinadas situações com "os portugueses". Há numa parte da intelectualidade e dos jornalistas brasileiros algum sentimento antiportuguês. Uma personalidade tão respeitada como o ex-arcebispo de São Paulo D. Paulo Arns, ao analisar, em entrevista recente, a actual crise brasileira culpava ainda os portugueses pelo escândalo da corrupção. Seria uma herança do colonizador - que em quase 200 anos não terá sido possível extirpar. Que fizeram os brasileiros nesse espaço de tempo? Nada. Mas a responsabilidade vem da História, segundo o douto arcebispo.
Do lado português há também complexos de superioridade de origem histórica. Muitos portugueses não entendem muito bem como o português do Brasil "pode ser assim", às vezes tão longe do português "verdadeiro", o de Portugal. Esquecendo-se de que, no "mundo que o português criou", o Brasil é um dos exemplos mais frisantes da mistura de raças e de culturas - e que esse cadinho de fusão tem consequências na língua e na linguagem. Como país receptor de emigração, o Brasil tem uma mobilidade social e cultural fantásticas. O brasileiro adopta o novo com enorme facilidade, desde que isso seja uma ferramenta para o quotidiano do trabalho ou do conhecimento (até nós adoptamos formas de dizer diferentes, a partir do que nos habituámos a ouvir nas telenovelas da Globo).
País jovem, aberto e continental, nele não há o enorme peso da tradição como nos europeus. Mas é nesse português do Brasil, em grande parte, que reside o futuro da língua portuguesa no mundo. Neste campo, como em muitos outros, muito há a fazer, se, de cada lado do Atlântico, os afectos pragmáticos se sobrepuserem aos simples afectos históricos.
Portugal e Brasil, Linguistica.
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Re: Portugal e Brasil, Linguistica.
3520 escreveu:Um filme português, exibido no Brasil, terá de ser legendado, para ser entendido correctamente.
Não sei não... alguns filmes nem com lengendas se percebem!

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Re: Portugal e Brasil, Linguistica.
alfsapt escreveu:3520 escreveu:Um filme português, exibido no Brasil, terá de ser legendado, para ser entendido correctamente.
Não sei não... alguns filmes nem com lengendas se percebem!


Olha se tivessem de levar com filmes com actores AÇOREANOS

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Eu estava a falar mais sobre a "compreensão" dos filmes em sí... que adiantam as legendas se há filmes que nem uma fala têm?
Mas "legendando" mais a sério:
Achei o meu primeiro dia em Ponta Delgada igual ao dia de chegada em São Paulo: não percebia uma frase inteira. Respondia a todos "desculpe, importa-se de repetir?"
Mas o mesmo me aconteceu nas duas cidades: a princípio a pouco, mas depois sem excepção, passei a compreender perfeitamente o que diziam.
Para mim não é tanto a "dificuldade do Português" porque o texto podia estar a referir-se a um Lisboeta chegado de fresco ao Porto. Muitas expressões, a construção de frases, e até mesmo o "Português antigo" praticados no quotidiano da capital nortenha são muito estranhos aos Lisboetas.
...e incorro no erro de me referir a "Lisboetas" como sendo os habitantes de Lisboa porque o verdadeiro "sotaque lisboeta", quase desaparecido, é um quebra-cabeças.
Portanto, na minha humilde opinião
, as diferenças na lingua Portuguesa não são a razão que faz "sobrepor simples afectos históricos aos afectos pragmáticos"... antes pelo contrário.

Mas "legendando" mais a sério:
Achei o meu primeiro dia em Ponta Delgada igual ao dia de chegada em São Paulo: não percebia uma frase inteira. Respondia a todos "desculpe, importa-se de repetir?"
Mas o mesmo me aconteceu nas duas cidades: a princípio a pouco, mas depois sem excepção, passei a compreender perfeitamente o que diziam.
Para mim não é tanto a "dificuldade do Português" porque o texto podia estar a referir-se a um Lisboeta chegado de fresco ao Porto. Muitas expressões, a construção de frases, e até mesmo o "Português antigo" praticados no quotidiano da capital nortenha são muito estranhos aos Lisboetas.
...e incorro no erro de me referir a "Lisboetas" como sendo os habitantes de Lisboa porque o verdadeiro "sotaque lisboeta", quase desaparecido, é um quebra-cabeças.
Portanto, na minha humilde opinião
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Re: Portugal e Brasil, Linguistica.
P44 escreveu:alfsapt escreveu:3520 escreveu:Um filme português, exibido no Brasil, terá de ser legendado, para ser entendido correctamente.
Não sei não... alguns filmes nem com lengendas se percebem!
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Olha se tivessem de levar com filmes com actores AÇOREANOS
Açoriano fala muito diferente do português do continente?
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