Acidentes em ferrovias
causam polêmica
Sindicato diz que falta manutenção. Empresa nega
São Bento do Sul - O excesso de peso dos trens que trafegam entre Rio Negro (PR) e o porto de São Francisco do Sul, aliado à falta de conservação das ferrovias foram as principais causas dos acidentes que ocorreram na região nos últimos seis meses. De junho do ano passado a 13 de janeiro deste ano, foram registrados sete descarrilamentos, todos envolvendo vagões carregados. O mais grave aconteceu em setembro, na localidade de Cruz Lima, em Mafra, onde foram despejados milhares de litros de óleo diesel em córregos da região, deixando cerca de 150 mil pessoas sem água por até três dias.
De acordo com o Sindicato dos Ferroviários, a falta de conservação dos trilhos está justamente localizado no corredor de exportação da região Norte catarinense. Segundo o secretário geral da entidade, Ênio Pereira Prestes, a situação está crítica. "A empresa só tem feito manutenção corretiva, depois dos acidentes. Não fazem a preventiva", revela.
O sindicalista revela que a situação no Paraná está em um nível aceitável, mas em Santa Catarina praticamente não existem programas de conservação, o que aumenta o risco de acidentes. Segundo Prestes, depois da privatização, a América Latina Logística (ALL), concessionária do trecho Sul do Brasil, terceirizou diversos setores ligados à preservação dos trilhos e as empreiteiras que realizam essa atividade muitas vezes não têm conhecimento técnico adequado.
Sustento
Além da falta de substituição dos dormentes, o sindicalista afirma que não existe lastro - pedras embaixo dos dormentes - suficiente para sustentar o trilho. Com isso, os dormentes ficam expostos à umidade do solo e apodrecem com maior facilidade. "O sindicato tem conversado com a empresa, mas essa é uma eterna briga entre sindicato e patrão", lamenta.
Segundo Prestes, a questão da conservação dos trilhos envolve algumas divergências contratuais entre a ALL e o governo federal. O sindicalista conta que, pelo contrato de concessão, a América Latina Logística tem direito a utilizar a rede ferroviária por 30 anos, porém, a empresa diz que o dinheiro para a conservação deve vir do governo federal, pois os trilhos pertencem à União. Já o governo diz que a manutenção dos trilhos deve ser feita pela ALL, porque é a empresa quem está utilizando. "Por isso que não existem grandes investimentos nos trilhos. As reformas só acontecem pra tapar o que os olhos podem ver", revela.
Como não é feita a manutenção dos trilhos, Ênio explica que, com o aumento da quantidade de carga transportada, não é o trem quem está com excesso de peso, mas, sim, a linha que não suporta a quantidade transportada.
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ALL garante que investiu
R$ 20 milhões em 2004
Joinville - A América Latina Logística (ALL) informou que há uma equipe trabalhando no diagnóstico da origem dos descarrilamentos. A meta da empresa é a redução dos acidentes em todos os níveis. Segundo a ALL, os sete acidentes registrados tiveram causas diferentes e foram eventos pontuais. Também negou que o aumento no volume de carga dos vagões possa estar comprometendo a segurança da via, pois antes de aumentar o peso dos vagões foram feitos ajustes na malha.
Segundo a empresa, no ano passado foram investidos em Santa Catarina R$ 20 milhões na manutenção e modernização da malha, ampliação de pátios de manobra, vagões, terminais e locomotivas. Somente na malha férrea, foram R$ 5 milhões investidos. Para este ano, está previsto aumentar em R$ 10 milhões o volume de recursos.
A ALL também diz que importou em torno de 10 mil toneladas de trilhos da China e da Rússia. A substituição faz parte do cronograma de obras de recuperação do trecho entre Mafra e São Francisco do Sul solicitado pela Agência Nacional de Transportes Terrestre (ANTT). A agência realizou inspeção programada no trecho em julho do ano passado. Com base no relatório, emitido em setembro, a ALL foi convocada para prestar informações sobre as condições da ferrovia.
Mudanças
Em novembro, a ANTT determinou a execução de uma série de serviços na via permanente. Em função dos acidentes ocorridos nos dia 13 e 15 de setembro, a agência notificou a ALL e solicitou a apresentação um cronograma das obras de recuperação do trecho. A empresa terá de substituir 12 mil metros de trilhos até abril e mais 12 mil metros até dezembro deste ano. Além de substituir 7.700 mil metros de dormentes, o que já começou a ser feito, e fazer a revisão geral do sistema de drenagem.
A ANTT também fez inspeções em outubro e dezembro para verificar o andamento das obras e, segundo a agência, a ALL recuperou os trechos onde ocorreram os acidentes e o serviço de manutenção segue o cronograma definido. Nas inspeções realizadas não foi encontrada nenhuma irregularidade em relação à questão de excesso de peso dos vagões. As próximas inspeções estão marcadas para os meses de maio e junho.
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Mecânico denuncia precariedade
São Bento do Sul - Um mecânico de vagões que trabalha em uma das empresas terceirizadas pela ALL, com experiência de mais de 20 anos em trens, confirma a situação caótica dos trilhos. Segundo o mecânico, que não quis se identificar, com o aumento das exportações, a linha que vai de Rio Negro a São Francisco do Sul é a que mais sofre com o tráfego, por este motivo é que estão ocorrendo tantos acidentes no percurso. Segundo ele, muitos parafusos de fixação dos dormentes podem ser retirados com a própria mão, porque muitos dormentes estão completamente podres.
O mecânico conta que até 70 vagões estão sendo transportados de uma só vez para o porto de São Francisco. Para fazer a descida da serra, cinco locomotivas são utilizadas em uma mesma composição. "Existe um sistema que permite ligar uma locomotiva a outra. O que o maquinista faz em uma, as demais respondem da mesma forma", explica.
O problema, segundo o mecânico, é que o trem com 70 vagões e cinco locomotivas chega a medir 1,1 quilômetro de comprimento e pesar 5,2 mil toneladas. Como os dormentes estão podres, ocorre a abertura dos trilhos, principalmente nas curvas. Além disso, existe um desgaste do trilho do lado de fora da curva, devido à ação da gravidade contra os vagões. Conforme o mecânico, quando o trilho está desgastado, é reutilizado, do outro lado da linha. Com a substituição, explica, a abertura entre os trilhos aumenta, assim como o risco de descarrilamento.
Desgaste
De acordo com o mecânico, apenas um maquinista opera todo o trem durante todo o percurso que, de Rio Negro a São Francisco demora, em média, 12 horas. "O pessoal está desgastado. Quando chegam ao destino, têm 11 horas para descansar, mas não conseguem dormir direito porque o alojamento fica ao lado da linha e os trens ficam manobrando o tempo todo", conta.
Outra reclamação do mecânico diz respeito à falta de conservação das estações da rede ferroviária federal. De acordo com ele, apenas as estações de triagem - aquelas onde acontecem a troca das locomotivas - estão preservadas. As demais sofrem com o abandono.
Isso que o mecanico disse é verdade, porque eu sei que é.