#275
Mensagem
por VICTOR » Qui Mar 09, 2006 11:04 am
Sintam só este então, página dois da Folha de S. Paulo de hoje:
DEMÉTRIO MAGNOLI
Terra estrangeira
Criminosos roubaram dez fuzis e uma pistola num estabelecimento do Exército no bairro de São Cristóvão, no dia 3. Na manhã seguinte, o governo federal reagiu cancelando a cidadania da população de dez favelas do Rio de Janeiro.
Sobre os destroços do artigo 142 da Constituição, que delimita as funções das Forças Armadas, uma operação militar mobilizou 1.500 homens do Exército, mais do que o contingente brasileiro no Haiti, para "ocupar" os morros cariocas. Seguindo ordens do general Domingos Curado, chefe do Comando Militar do Leste, militares com rosto pintado, apoiados por um tanque e helicópteros, subiram o morro da Providência disparando suas armas.
Um porta-voz militar declarou que a missão tem a finalidade exclusiva de recuperar o armamento roubado e que o Exército "não quer confronto com os traficantes". Está claro: o vasto jogo de guerra destina-se apenas a lavar a honra dos homens de farda ou, mais propriamente, pretende desviar os olhares do público da incompetência patética de generais que não controlam os portões de seus arsenais.
O Estado de Direito não é a única vítima da soberba: Eduardo dos Santos, um jovem de 16 anos, morreu baleado em conseqüência do tiroteio no morro da Providência, convertendo-se em "dano colateral". Não há notícia de protestos oriundos da Secretaria Nacional de Direitos Humanos ou da Secretaria da Igualdade Racial.
A ofensiva do Exército, auxiliada pela Polícia Militar, teve o amparo de juízes fora da lei que expediram mandados de busca e apreensão coletivos. Esse instrumento de barbárie do Estado afronta o artigo 5 da Constituição, que assegura a inviolabilidade da residência, bem como os artigos 240 e 243 do Código de Processo Penal e o artigo 841 do Código de Processo Civil, que cerceiam o direito de busca com a exigência de identificação de motivo e casa ou lugar específicos.
Juízes não ousam expedir mandados coletivos para bairros da "cidade legal", mas alguns têm o hábito de bajular autoridades à custa dos direitos dos habitantes da "cidade clandestina". Há quatro anos, o governador Geraldo Alckmin conseguiu de um juiz sem espinha dorsal um mandado coletivo de busca na favela Pantanal -e foi açoitado por críticas da bancada do PT na Assembléia paulista. Não há notícia de manifestações dos deputados federais do PT sobre os mandados coletivos para as favelas cariocas.
Terra estrangeira: isso são os morros do Rio de Janeiro sob a ótica compartilhada por Lula da Silva, o chefe das Forças Armadas, e Rosinha Garotinho, a chefe da Polícia Militar estadual. O primeiro, de olho no voto dos tolos, ergue um palanque eleitoral sobre os brios feridos dos generais. A segunda, rápida no gatilho, cobre a falência da sua política de segurança pública com a mortalha oferecida pelo governo federal. Depois disso, quem ainda acalentará a esperança de uma intervenção do Ministério da Justiça para combater o crime organizado e levar a lei até as favelas cariocas?
Na terra estrangeira, não há direitos, segurança ou delegacias de polícia, mas sobram "invasões". Todo mundo é suspeito. No morro da Mangueira, o canhão de um tanque apontava para a comunidade. No da Providência, soldados vasculhavam indiscriminadamente as casas das vielas, revistando até as crianças. Os chefes das bocas já têm novos "soldados".